Dia 12, Barra Bonita > Pederneiras
6 de Junho, 1999
Represa de Bariri, Rio Tietê
Início: Barra Bonita, Marina da Barra
22° 30.011’S 48° 33.313’W
Final: Pederneiras, Bauru Tênis Clube Náutico
22° 17.744’S 48° 44.473’W
Percorrido hoje: 35.4 km
Total acumulado: 263.8 km
COM A TURMA DOS CAIAQUES
Carlos – Queríamos sair bem cedo, mas como sempre não foi possível. Na Marina da Barra, nosso ponto de saída, vieram várias pessoas e amigos. Entre eles o pessoal do grupo de canoagem de Barra Bonita, o GRUTA (Grupo de turismo e aventura), que nos acompanharam durante todo o percurso, o Nilton, André, Ricardo e o Hélio estavam ansiosos para começar a remar e nós arrumando toda a tralha que não acabava mais.
Após as despedidas conseguimos finalmente sair e ficou uma amizade muito boa em Barra, com o Ivan, Oswaldo, Pedro, De Lucca, Cristina, entre outros.
A remada deste dia foi tranquila, fizemos uma boa parada para o lanche onde se mostraram as especialidades de cada remador, tinha até pão com peito de peru e queijo, frutas diversas e muito mais.
Durante o percurso as experiências em remadas já feitas foram compartilhadas e muito se aprendeu.
O final da remada foi no BTC, Bauru Tênis Clube, cujo Presidente é o Sr. Silvio, que prontamente ofereceu o espaço no dia anterior em Barra Bonita. Quando chegamos fomos recebidos pelo Sr. Silvio e a equipe do Jornal da cidade (Bauru). Foi um final de tarde muito bonito que pode ser conferido nas fotos.
Ficamos conversando até tarde com a equipe do GRUTA e o Diretor Sílvio. Muito obrigado Sílvio!
Alessandro (atualizado em 2017) – No final desse dia ficamos na beira do rio batendo papo, eu e o pessoal dos caiaques. A nossa expedição gerava muitas perguntas. E boa parte das perguntas era sobre como nós fizemos para realmente fazer acontecer. E a conversa ficou bastante entre eu e o Nilton Zerlin. O Nilton é um caiaquista experiente, que rema nessa região a mais de dez anos. Desde adolescente ele rema caiaques e explora os rios e represas das redondezas. Sempre por perto. E o Nilton me disse que tem um sonho, a muitos anos, de descer até o Rio Paraná. Ou seja, sair de Barra Bonita e descer o Tietê por mais uns 500 km até chegar no Rio Paraná. Relativamente, “logo ali”.
Eu não tive resposta muito objetiva de “como fazer para partir”, para começar. De como fazer para, de maneira tão prática, ir da ideia para a prática. Concordo que tem muita coisa pra se resolver quando se pensa em fazer uma viagem dessas. E concordo também, se me disserem, que não, não tem muito o que pensar. Tem que sair e fazer. Lembro de uma passagem simples e marcante em um dos livros do Amyr Klink: “Um dia é preciso parar de sonhar e, de algum modo, partir”. Quando a gente tem uma motivação interna, como uma pressão acumulando, uma vontade, uma sensação de que aquilo é o destino, a gente alimenta pensando em como resolver os obstáculos, em vez de aceitar as dificuldades como barreiras intransponíveis. A gente tem a sensação de que vai acontecer. Como diz o ditado chinês: “A não ser que a gente mude de direção, a tendência é chegar onde estamos indo.”
Dá pra fazer algo assim no ímpeto, no impulso? Acredito que dê sim. E quando é no impulso vai se resolvendo as coisas ao longo do caminho na base do improviso, na marra, de sopetão, com as ferramentas que tiver tido a sorte de pegar na pressa. Tem gente que parte no impulso, porque sabe que se esperar, não vai fazer nunca. Mas tem também gente, e acho que foi o meu caso, que está determinada e por isso sabe que é questão de tempo. Que na hora certa vai acontecer, mas tem que ir colocando as coisas no rumo para acontecer. Cito novamente o ditado chinês: “A não ser que a gente mude de direção, a tendência é chegar onde estamos indo.” O partir é uma questão de tempo. É uma questão de QUANDO, não de SE. Portanto, até lá, o melhor a fazer é ir planejando, organizando, resolvendo e eliminando as barreiras dos desafios que a gente encontra no caminho antes da partida, e ao mesmo tempo escolhendo as ferramentas que provavelmente serão úteis baseadas nos problemas mais prováveis que vão aparecer durante a jornada por vir. Os problemas que a gente não antecipa, aí sim a gente improvisa quando chegar a hora. Resolvendo item por item as coisas que podem ir abrindo passagem. Uma vez que a gente coloca na cabeça que vai acontecer, a gente aproveita o tempo, confiando no “destino”, para se preparar e estar o mais pronto possível para o momento em que partir e começar a jornada tão sonhada é a única opção.
Naquela ocasião o Nilton me disse que ele sempre quis descer o rio até o Paraná. Me disse que pensa em fazer isso a anos. E naquele momento de conversa eu sabia que não tinha um argumento lógico que seria dito e que ele iria somar um mais um e concluir que é dois e com isso partir para sua própria expedição. Não é um argumento racional que vai provocar isso. Eu então apelei, simplesmente descrevendo a realidade daquele momento: “Nilton, você já parou pra pensar o seguinte? Você tem um caiaque que é preparado para expedição a mais de anos. Você tem todos os equipamentos de camping necessários pra passar semanas viajando. Você trabalha com o teu pai e não tem nenhum dependente e ficar ausente por umas duas semanas ou vinte dias não vai ser algo impossível de organizar. O Rio, o caminho que você quer percorrer, sai daqui da porta da tua casa. E essa situação a teu favor já existe a anos, lado a lado com a tua vontade. Você tem preparo físico, saúde e capacidade técnica. Aonde você quer chegar está a algumas semanas daqui. Agora, você tem aqui na tua frente um cara que até ano passado mal tinha remado uma canoa. Que para praticar esportes aquáticos tinha que se deslocar 100km até a represa de Nazaré Paulista pra colocar um barco na água. Um cara que está aqui nesse rio e nessa represa pela primeira vez na vida. Um cara que teve a ideia de fazer uma viagem desse tipo a menos de dois anos. Que precisou de alguns patrocínios para poder se equipar. Que precisou se adaptar em alguns meses pra poder passar tanto tempo remando. E esse cara está aqui na tua frente, te dizendo que não vai só descer até o Paraná não. Eu tô te dizendo que estou indo ATÉ O MAR! Estou indo para um destino que fica a MESES daqui, não semanas. Que fica a TRÊS MIL QUILÔMETROS daqui! Porra!! Tenha vergonha meu amigo!”. Calei e sorri olhando nos olhos.
O Nilton ficou olhando pra mim em silêncio, mergulhado na clareza cristalina de tudo que eu havia acabado de dizer. A cara dele era uma expressão de ter tomado um tapa surpresa. Não era uma cara de mero despertar racional do tipo “é.. você está certo”. Eu gosto de acreditar que tenha sido fundamentalmente o peteleco numa peça de dominó que estava emperrada a algum tempo.
Isso foi em Junho de 1999. Em julho de 2007 o Nilton realizou sua própria grande expedição, a Expedição Anhembi, percorrendo de caiaque solo 756 km no Rio Tietê, da cidade de Tietê SP até o Rio Paraná.