Dia 01, Distrito de Sousas, Campinas SP > Fazenda Sta. Lydia, Sousas
Percurso: Rio Atibaia
Início: Praça Beira Rio, Sousas, Campinas
22° 52.707’S 46° 57.933’W
Final: Fazenda Sta Lydia, Três Pontes & Jaguariúna
22° 52.707’S 46° 57.933’W
Percorrido hoje: 10.4 Km
Total Acumulado: 10.4 Km
FINALMENTE A JORNADA COMEÇA!
Alessandro – Quem acompanhou o processo para chegarmos até esse dia sabe que o caminho não foi nem simples e nem fácil: O primeiro dia da expedição, o Dia 01, o dia de partir, o dia de começar a viagem. (Se você ainda não leu, sugiro você ler como tudo começou. Leia aqui como foi o processo de um ano e meio desde a origem da ideia de fazer essa viagem até chegar no dia de hoje. “Onde surgiu a ideia dessa expedição”.)
Foi estranho acordar nesse dia sabendo que eu não ia voltar para aquela cama por pelo menos uns três meses. Aliás, “acordar” era um conceito estranho na manhã desse dia, porque o que finalmente estava acontecendo parecia um sonho. A expedição finalmente estava se tornando realidade e essa “realidade” iria ser oficializada no momento em que déssemos a primeira remada e a canoa se afastasse da margem de partida.
A gente tinha programado de começar umas 10 horas da manhã. Nosso local de partida era a Praça Beira Rio de Sousas, a apenas uns 100 metros rio acima da ponte de ferro onde eu, pouco mais de um ano e meio antes, tive a primeira intenção de fazer essa viagem.
Eu e o Carlos chegamos mais cedo na praça. Fixamos uns banners com as marcas de nossos patrocinadores e apoios e colocamos a canoa num suporte no meio da praça para apresentá-la ao público e tentamos manter a sanidade e o foco e a tranquilidade diante de tudo que estava acontecendo. Pessoas e mais pessoas começaram a chegar na praça e vinham falar com a gente, olhavam a canoa e equipamentos. E olhavam pro rio, pensando no caminho que estávamos prestes a percorrer. Alguns conferiam no mapa que expomos o traçado do nosso percurso pretendido. Chegaram amigos, chegaram familiares e chegaram desconhecidos curiosos. E entre todos esses, conhecidos e desconhecidos, tinha muita gente boa que foi lá se despedir da gente e nos desejar sorte, nos desejar uma boa jornada.
Pessoas da imprensa estavam lá também, e eu e o Carlos fazíamos um malabarismo cada um pra dar atenção pra tanta gente, para conversar com amigos e responder tantas perguntas que todos faziam. Foi gratificante receber tantos votos de boa viagem que as pessoas vinham pessoalmente desejar.
Felizmente foi um dia desses bonitos e ensolarados. Início de Junho. Clima fresco. Já tinha passado quase duas horas desde que chegamos e chegou o momento que não tinha mais o que esperar. A gente não ia fazer nenhum discurso e não tinha nenhum procedimento oficial programado.
Já tinha bastante gente na praça e já rolava o clima de que todos estavam esperando o momento em que iríamos subir na canoa e partir. Então tudo o que tínhamos que fazer agora era colocar a canoa na água. E assim fizemos.
Eu e nosso amigo Robson tiramos a canoa do suporte e descemos por uma lateral da praça e o povo todo foi para o parapeito da praça e da ponte pra ver a gente e o rio. Primeiro colocamos a canoa na água e então colocamos dentro dela apenas algumas barricas e bolsas estanques. Tínhamos decidido que nessa primeira etapa de uns quatro ou cindo dias, onde o rio é mais acidentado, e mais sujeito a corredeiras, que a gente ia levar apenas o equipamento pra passar o dia remando. E nosso amigo Robson ia levar o resto dos equipamentos no carro de apoio, pra canoa ir mais leve e mais manobrável. A gente não queria arriscar bater em alguma pedra com ela totalmente carregada e sofrer alguma avaria severa. Até chegar em Piracicaba a gente iria com ela o mais leve possível. E o carro de apoio não iria seguir viagem com a gente. Iria apenas ficar com o equipamento até entregar pra gente em Piracicaba.
Canoa carregada dentro da água. O Carlos subiu na canoa e depois eu. Ele sentou na popa, e eu na proa. E o curioso é que nem pensamos muito nisso, mas iríamos manter essa distribuição, eu na proa ele na popa, até o fim da viagem.
Pronto… estávamos dentro da canoa, remos em mãos. Olhamos pra cima e todas as pessoas, o público composto de desconhecidos, de amigos, e de familiares, começou a assobiar, a acenar e gritar boa viagem! Era uma despedida pra gente e a nossa deixa.
Acenamos de volta para todos, e eu me lembro de estar com um sorriso enorme na cara, emocionado, sentindo todo mundo olhando pra gente, incentivando e mandando uma energia boa, sincera e calorosa. E então fizemos a única coisa que nos restava fazer: Com as primeiras remadas manobramos a canoa apontando ela rio abaixo e começamos a remar no mesmo sentido que a leve correnteza. E os gritos e assobios aumentaram, e centenas de braços acenavam, e escutamos nossos nomes várias vezes vindos de várias vozes seguidos de bons desejos! A Expedição Remar até o Mar tinha acabado de começar oficialmente!
Partimos emocionados com a calorosa despedida de todos amigos e pessoas presentes na praça em Sousas! Depois de tanto tempo de planejamento e expectativas! No meio daquela comoção e momento de grande emoção eu enxerguei brevemente uma cena: Ali numa margem, oposta à praça, mais ou menos no meio das árvores e vegetação, meio que escondido do público, estava algo que só eu vi – Tinha ali um Alessandro Casella de 12 anos de idade, sorrindo orgulhoso, que viajou numa máquina do tempo vindo direto dos anos 80 por apenas alguns instantes. Ele sorria muito feliz testemunhando diretamente das dimensões das minhas memórias mais esta aventura rio abaixo começando. Se eu te disser que trocamos uma piscadela e um sorriso, você acredita?
Antes da primeira curva do rio ainda dava pra ver gente em cima da ponte de ferro acenando pra gente. O barulho, os assobios e gritos de boa sorte e boa viagem foram ficando pra trás, dando lugar ao silêncio sereno do rio tranquilo. Os primeiros quilômetros foram tranquilos, e algumas pessoas em caiaques e catraias nos acompanharam. Inclusive um remador do Clube de Remo de Sousas foi levando o cinegrafista e a repórter da TV Bandeirantes.
Depois de um leve degrau no rio nós estávamos por conta. Foi o primeiro obstáculo que fez o resto do pessoal também se despedir da gente e voltar. E então apareceu lá na frente o primeiro obstáculo que parecia ser o teste que ia ser o vai ou racha do primeiro dia de viagem. Era um trecho de corredeira leve, mas com todo o potencial de fazer a gente capotar. Tinha uma sequência de degraus na água em meio a pedras e correnteza mais forte, pois eram pontos onde afunilavam a água e faziam ela acelerar.
Na aproximação desse trecho voltamos a escutar as pessoas gritando, assobiando e tudo o mais. O público sabia que esse seria o nosso primeiro obstáculo e muita gente saiu correndo da praça, quilômetros acima, e veio de carro ou moto até aqui pra ver se a gente ia conseguir passar. Vimos cinegrafistas apoiados em pedras e barrancos, e vimos gente nas margens buscando se posicionar para ver a gente do melhor ângulo. Lá estava também o grande amigo Jôffre, excelente fotógrafo profissional, se posicionado estrategicamente nas pedras para registrar o momento de nossa passagem pela corredeira. A foto que o Jôffre tirou foi a mais expressiva desse dia e representa bem o que passamos.
A pressão estava na gente. Fomos nos aproximando e não tinha mais volta. Colocamos a canoa no fluxo principal e fomos fazendo leves correções pra ficar no curso. O Carlos se segurou nas bordas da canoa no primeiro tranco. Eu tentei corrigir como dava pra manter a canoa no rumo e então ela seguiu a correnteza por entre as pedras, chacoalhou, nos equilibramos, balançou, bateu um pouco com o fundo ralando nas pedras e passamos a corredeira.
E assim que pegou embalo no fluxo da parte de baixo ela acelerou e eu vi que ela iria bater numas pedras se continuássemos reto. Deu tempo de colocar o pé pra fora, amortecer o quase impacto e sair pela direita. E se esse “teste” era pra ser uma presságio do que estava por vir ao longo da jornada, nós conquistamos nossa boa vibe para a viagem inteira! O povo nas margens aplaudiu, assobiou, curtiu o show e vibrou com a gente! Ainda bem, porque teria sido uma tragédia ter capotado logo nesse primeiro trecho, sendo filmados por uma equipe de reportagem e com tanta gente pra testemunhar!! Realmente foi um alívio termos passado inteiros e com estilo! (Um vídeo do momento que passamos por essa corredeira pode ser visto aqui na matéria da TV Bandeirantes.)
E assim foi. O trecho do Dia 1 de viagem foi de muitas corredeiras. Passamos a maior parte do tempo fora da canoa, conduzindo-a pelas pedras onde realmente passar sentados dentro da canoa não era uma opção. Tinha pedras fechando o caminho, sem espaço para passar com a canoa, e nesses lugares a gente levantava a embarcação e carregava por cima. Tivemos algumas leves trombadas inevitáveis com algumas pedras, e algumas raladas no fundo. A canoa Ethel foi batizada com suas novas cicatrizes. Vimos capivaras e algumas garças. E nesse primeiro dia deu pra ver também muito lixo jogado ao longo das margens do Rio Atibaia.
Passaram algumas horas desde o momento que partimos, e no meio da tarde a gente chegou na região das Três Pontes, onde o Rio Atibaia cruza por baixo de uma estrada de terra que liga Campinas a Pedreira. Encostamos e amarramos a canoa e descemos na margem. Lá o meu amigo Renato Martins e sua namorada nos encontraram e lanchamos juntos.
Depois da pausa do lanche nós voltamos com a canoa para a água, continuando rio abaixo. Só que durou pouco. Não deu nem dez minutos e logo chegamos numa queda de água que era uma garganta intransponível. Procuramos passagem e consideramos várias possibilidades, e uma coisa estava certa: A gente sabia que aqui tinha terminado a etapa de hoje, pois por essa queda d’água e a mata em volta, e pelo pequeno cânion que se seguia, a gente não ia passar. O pior é que a gente tinha combinado com o Robson para ele nos encontrar lá na ponte perto do Solar das Andorinhas, quilômetros rio abaixo. Mas a gente não ia conseguir passar por ali com a canoa, e muito menos chegar na ponte do Solar das Andorinhas.
Enquanto tentamos descobrir a nossa localização encontramos um pessoal no pomar da fazenda. O grupo estava fazendo uma pausa no passeio de mountain bike e curtindo umas mexericas direto do pé. Alguns deles reconheceram a gente, pois tinham visto a gente no noticiário mais cedo. Com eles compartilhamos umas mexericas e então descobrimos, informados por eles, que estávamos na Fazenda Santa Lydia (A ironia é que alguns anos mais tarde eu viria a mapear todas as trilhas dessa região e publicar um mapa para mountain bikers em 2004. E uns 16 anos depois, já na 3a edição desse mesmo mapa, eu viria a participar de um projeto de implementação de sinalização das rotas ciclo turísticas de Joaquim Egídio, Sousas e Região, em uma iniciativa da Secretaria de Turismo da Prefeitura de Campinas. Inclusive instalando placas nas imediações da Fazenda Santa Lydia – www.mapasdetrilhas.com.br. A Fazenda Santa Lydia se tornaria um dos meus locais favoritos de passeio de mountain bike ou a pé por causa de suas trilhas singletrack.
O único que tinha telefone celular na época era o Carlos, mas estava sem sinal aqui no meio de uma região de fazendas. Então ele usou um rádio VHF. O Robson é radioamador e estava com um rádio também. O Robson ficou esperando a gente a tarde toda no local combinado, na ponte onde nunca chegamos. E o Jôffre também ficou lá com ele esperando para poder fazer mais fotos. E não iam sair de lá enquanto a gente não aparecesse. O Robson estava com a caminhonete do Carlos fazendo o nosso apoio naquele dia. Então depois de algumas horas tentando, o Carlos conseguiu contato com o Robson no rádio. E aí foi tentando explicar onde estávamos. O Robson se virou como podia e acabou conseguindo achar um jeito de chegar até a gente. Quando o Robson chegou no final da tarde a gente carregou a canoa na caminhonete e fomos embora aliviados por termos sido encontrados. Aliás, eu conhecia pouco o Robson até então, que eu tinha conhecido através do Carlos Vageler. Mas nesse dia o cara se demonstrou ser um amigo com quem a gente pode contar: Naquele dia era o aniversário de sua esposa Augusta. Só que claro que a gente não imaginava que ia perder tanto tempo perdidos, muito menos que ele ia ficar uma tarde inteira esperando a gente aparecer e nada. O imprevisto aconteceu e o que era pra ser breve foi dia e noite adentro. E em vez de abandonar o posto pra ir passar a tarde com a esposa, o Robson ficou firme e forte nos esperando até receber nossa mensagem via rádio e se embrenhar pelas estradas de terra da região para achar a gente e nos resgatar.
Enfim, deu tudo certo e lá da Fazenda Santa Lydia em Sousas a gente foi até o local do nosso primeiro pernoite, na chácara dos amigos Teddy Hogan e seus pais, que ficava perto de um ponto no Rio Atibaia por onde iríamos continuar viagem, próximo à rodovia SP 340, que liga Campinas a Jaguariúna.
Nesse primeiro trecho do Atibaia nós pulamos uma extensa parte, pois não valeria a pena arriscar danificar a canoa em alguma pedra tão cedo na viagem. Teríamos de passar a maior parte do tempo dentro da água segurando a canoa e manobrando ela pelas pedras, então achamos melhor não. Encerramos o dia jantando feijoada. Minha mãe tinha feito naquele mesmo dia e mandou pra gente. Dava até pra ter ido jantar em casa, porque a gente ainda estava na região. Na verdade, ficava a uns 15 km de casa. Mas não teria graça né? A expedição tinha começado, e já naquela noite a gente dormiu em barracas, acampados no gramado da chácara do Teddy.
Esse primeiro dia, o dia da partida, foi um dia de muitas emoções mistas. Um tanto de insegurança, de realização, de incerteza e de satisfação. Foi um dia com sentimentos completamente atípicos, mas talvez típicos do início de se adentrar uma longa jornada. Foi um dia em que finalmente partimos. O marco de uma nova fase. Eu ainda estava assimilando tanta coisa acontecendo, e a gente ainda tinha algumas coisas para organizar e arrumar antes de não termos mais o contato com os amigos e um carro de apoio. O carro de apoio e a proximidade de casa seria apenas nesses dias iniciais, e logo teríamos de ter tudo providenciado para que pudéssemos ficar realmente independentes. Mas a sensação boa era a de que as coisas finalmente começaram a fluir, literalmente, rio abaixo.