Dia 02, Permanência na Chácara dos Hogans, Tanquinho Velho, Jaguariúna
Percurso: Rio Atibaia
Bairro Tanquinho Velho, Jaguariúna – Chácara dos Hogans (Chácara Vera Lúcia)
22°43’41.0″S 47°01’14.7″W
Percorrido hoje: 0 Km
Total Acumulado: 10.4 Km
UM DIA DE ARRUMAÇÃO
Alessandro – O dia de partida foi tumultuado. E tinha ficado ainda várias coisas pra gente organizar ainda, pois a gente tinha resolvido nesses dias mesmo que a gente não ia levar todos os equipamento até chegar em Piracicaba. Justamente para poder ir com a canoa mais leve, e menos suscetível a impactos mais fortes. A gente sabia que depois da cidade de Piracicaba o rio é bem mais tranquilo e praticamente não vai mais ter corredeiras. Então a gente queria organizar direito o que ia no carro de apoio e o que ficava na canoa. Aquela expectativa de finalmente partir passou. Era um alívio, uma pressão a menos. Agora parecia que dava pra pensar direito, sem barulho. Sem uma plateia de expectativas, sem alvoroço. Então esse dia a gente aproveitou pra fazer os ajustes realmente finais, para pensar com a cabeça mais leve. Pra gente poder realmente começar direitinho, sem esquecer de nada. Para fazer um checklist bem organizado. O fato de ter sido um dia chuvoso também ajudou na decisão e deixou a gente com a consciência mais tranquila.
Passamos o dia na chácara do Teddy. Os pais dele estavam fazendo uma feijoada para vários amigos e fomos convidados a almoçar com eles. Devia ter umas 30 pessoas. O pessoal que chegava via a canoa adesivada com patrocinadores e via nossas barracas e comentavam que tinha visto a gente na televisão e achavam legal encontrar a gente lá. Foi um dia bom pra relaxar depois das semanas tensas de preparativos. Muita gente expressava admiração pelo que a gente estava prestes a realizar. A Mrs. Hogan era professora na Escola Americana de Campinas e o Mr. Hogan é um renomado acadêmico da Unicamp. Muita gente nesse almoço era do meio acadêmico ou da área de ensino e foi gratificante poder conversar com tanta gente inteligente que via tanta coisa positiva na nossa expedição. Até o momento que uma pessoa um tanto desagradável conseguiu me incomodar: Uma das amigas da Mrs Hogan começou a falar comigo em voz alta pra todos escutarem, lá do outro lado da sala de jantar, cheia de gente. De início eu achei que ela estava brincando, mas daí vi que estava falando sério, de maneira sarcástica. Era num tom de esculacho: “Pra que ir de canoa até Argentina se tem avião?” – “Que coisa irresponsável, fazer uma loucura dessas e deixar seus pais e amigos todos preocupados?” – “Quer se matar? Poupe seus pais dessa preocupação!” E falava alto, querendo a atenção dos outros e nos ridicularizando, nos colocando pra baixo. Ela falava como em tom de brincadeira, mas dava pra ver que ela achava que o que ela estava falando era pra nos dar uma lição de moral. Eu me contive pra não ser indelicado em respeito a ser um convidado na casa de gente querida. Até mesmo porque eu teria uma boa resposta pra cada coisa que ela mencionou, principalmente sobre essa coisa de deixar pais e amigos preocupados. A única coisa que me dei ao trabalho de responder foi em relação a ir de canoa, e não de avião. “De avião qualquer um com um pouco de dinheiro poderia ir. Mas iria deixar de ver a paisagem e deixar de viver a experiência de estar em contato com a natureza ao longo do rio”. E isso ela ridicularizou também – “Que rio o que, pra que ficar no rio?? Vai de avião…”. Virar a cara e ignorar seria o melhor a fazer, mas também indelicado para com os demais presentes, pois ia gerar uma situação chata. E então tentei continuar sendo diplomático, mas sem esperanças de aquela alma pequena me entender, e aproveitando pra dar uma satisfação para os demais que estava lá em relação a entender os meus motivos, e com quem eu estava conversando prazerosamente até então: “Eu não estou iniciando essa jornada para chegar em Buenos aires, ou no mar. Esses são apenas pontos de referência para dar um rumo ao caminho. Eu estou iniciando essa viagem não pra chegar em algum lugar, mas para viver o dia a dia que a jornada vai me proporcionar. É nisso onde está o meu interesse. O que vai ser esse dia a dia, pra mim ainda é um mistério a ser desvendado.” E disse pra ela com franqueza “Mas pela maneira que você pensa, acho que você nunca vai entender o valor disso. E mesmo que se você quisesse, acho que você não seria capaz de ter a coragem de remar uma canoa um dia sequer por um lugar selvagem e desconhecido – então é melhor você ir de avião mesmo.” – e então eu ri também como se estivesse brincando. Mas claro que eu não estava.
Mas foi bom esse encontro, foi bom esse conflito. Me fez pensar e avaliar minhas intenções. É verdade que a adversidade fortalece nossos propósitos e nos torna mais conscientes. Mas que eu não gosto de gente de alma pequena, eu não gosto.
Um grande abraço e muito obrigado ao Teddy, à sua mãe Mrs Hogan, à sua irmã Marga Hogan e um obrigado in memorian ao Mr Hogan.