A gente acordava por volta das 7:00h todos os dias. O Carlos levantava antes e já colocava água para ferver e ovos para cozinhar. Eu enrolava um pouco mais pra levantar. A gente tomava café da manhã e então começava a desmontar o acampamento: Cada um começava dentro de sua barraca: Embrulhava o saco de dormir, esvaziava o colchonete inflável e enrolava ele e ensacava. Vestia a roupa que ia usar no dia e guardava o resto. Colocava tudo dentro das bolsas estanques e colocava tudo pra fora da barraca. Então cada um desmontava sua barraca, tirando as estacas do chão, e limpando a lona plástica que a gente colocava embaixo da barraca para proteger o fundo da mesma, dobrando e ensacando tudo.
A gente desmontava as barracas desencaixando os tubos de alumínio e dobrando eles junto com o tecido da barraca. Esse modelo de barraca era assim, bem prático. As barracas eram do modelo Rapeede, da marca Walruz (mais tarde comprada pela atual MSR). A essa altura um de nós já tinha lavado as panelas, canecas e cumbucas. A gente revezava. Lavava com água escorrendo de um cantil pendurado ou no rio ou represa mesmo. As panelas, fogareiro e coisas de cozinha iam pra dentro de uma barrica plástica.
Uma vez que cada categoria de equipamento estava organizadamente armazenada nas bolsas estanques e barricas, era hora de colocar a canoa na água. Tinha dia que a gente acampava a alguns metros da água. E havia locais que a gente acampava a uns 50 ou 100 metros da água. A gente carregava a canoa, colocava parte dela na água e parte dela apoiada na praia. Assim, quando carregada, ficava mais fácil empurrá-la por completo para dentro da água.
E então a gente vinha trazendo até a canoa e colocando dentro dela os equipamentos. Primeiro ia a bateria de 12v de caminhão, que pesava 20 kg, que ia bem no meio, no centro no chão da canoa, intencionalmente para manter o centro de gravidade baixo. E então a gente colocava as barricas deitadas, sempre na mesma disposição. Daí iam as bolsas. Por último a gente dobrava as lonas plásticas que a gente usava pra forrar o chão do acampamento e o chão embaixo das barracas, e acomodava essas lonas entre as laterais da canoa e as bolsas. Então a gente colocava uma espécie de rede de nylon (tipo aquelas aranhas elásticas de bagageiro de moto) que ia por cima disso tudo, segurando tudo no lugar caso a canoa virasse. Preso em cima dessa rede de nylon a gente colocava então o painel solar, que também ia preso com elásticos por baixo. Os fios do painel solar eram então conectados aos fios da bateria, que ia carregando ao longo do dia. Do lado do painel iam os remos reservas, para termos acesso fácil.
Se fosse um dia com ameaça de chuva, ou águas mais agitadas com ondas e marolas grandes, a gente colocava a “saia” na canoa, que era uma capa emborrachada amarela que cobria tudo, com apenas as aberturas para os remadores.
Após carregar a canoa a gente voltava pro local do acampamento e olhava tudo em volta pra ver se não tinha ficado nada pra trás. Olhava em galhos de árvore, em cima de pedras, no mato, pra ver se não ficou nada pendurado esquecido. A gente dava uma leve alongada para soltar os braços, tronco e pernas. Então a gente pegava os remos, empurrava a canoa pra dentro da água, sentava cada um no seu cockpit e começava a remar. Nisso já seria por volta das 9 horas da manhã.
A gente remava de maneira tranquila, sem pressa. Num ritmo que permitisse a gente fazer aquilo por horas e horas, remando umas 5 a 6 horas por dia, numa velocidade média de uns 6 a 7 km/h. Por dia, a gente percorria uma média de 37 km. Ao longo do dia a gente parava ocasionalmente, se tivesse algum lugar interessante, ou pra dar uma esticada nas pernas. Se estivéssemos perto de alguma margem, a gente encostava pra comer um lanche. Barrinhas de cereais, frutas, biscoitos. Ou, se estivéssemos no meio da represa a gente apenas parava de remar e comia por lá mesmo. E passava assim o dia, remando por horas seguidas.
Quando chegava no meio da tarde a gente já se aproximava de alguma margem e ia ficando de olho em algum lugar pra parar e acampar. Alguma clareira plana, com gramado. Se tivesse algum lugar atraente a gente descia, e um de nós dois dava uma averiguada enquanto o outro ficava na canoa. Então a gente puxava a canoa pra fora da água, carregada, o máximo que desse. A gente desamarrava tudo e começava a retirar as bolsas e barricas, e levava pro local do acampamento daquela noite.
Cada um montava sua barraca, colocando pra dentro delas as coisas de pernoite. Inflava o colchonete / isolante térmico e abria o saco de dormir. A bateria era colocada no chão do acampamento, e nela era ligada uma lâmpada fluorescente protegida dentro de um tubo plástico, dessas que mecânicos usam para iluminar dentro do capô do carro. A lâmpada ficava pendurada em um remo preso de pé. Isso dava uma iluminada geral no acampamento, e a gente usava também lanternas de cabeça.
E então a área da janta era arrumada. Quando começava a escurecer a gente começava a cozinhar. O painel solar coberto por uma lona plástica às vezes funcionava de mesinha para apoiar as coisas. Mas muitas vezes era direto no chão mesmo, em cima de uma lona plástica. A gente preparava a comida liofilizada e depois de comer lavava as panelas e cumbucas, e deixava “a cozinha” montada pro café da manhã do dia seguinte. Tinha noite em que a gente escrevia algum relato no notebook. Mas o mais normal era deixar acumular uns dias pra escrever tudo de uma vez. Alimentados, a gente ia dormir cedo. Cada um em sua barraca. Antes disso a gente guardava tudo o que desse pra guardar e colocava embaixo da canoa, que passava a noite virada de cabeça pra baixo como uma cobertura para chuva e sereno, protegendo os equipamentos que ficavam pra fora da barraca.
Teve noites que acampamos em bancos de areia e a gente deixava tudo no esquema pronto para o caso de, se a gente percebesse o nível da água do rio subindo, estaria tudo pronto para ser jogado para dentro da canoa numa emergência. E assim era nossa rotina, praticamente todos os dias de viagem. Essa rotina metódica e organizada permitia que a gente estivesse em lugares diferentes todos os dias e passasse por experiências únicas durante os 99 dias de viagem. Acampamos por três meses seguidos, e nunca fizemos uma fogueira.