{"id":1145,"date":"2022-09-03T18:00:20","date_gmt":"2022-09-03T21:00:20","guid":{"rendered":"https:\/\/remarateomar.com\/?page_id=1145"},"modified":"2023-03-26T20:32:53","modified_gmt":"2023-03-26T23:32:53","slug":"origens-preparativos","status":"publish","type":"page","link":"https:\/\/remarateomar.com\/origens-preparativos\/","title":{"rendered":"Origens & Preparativos"},"content":{"rendered":"\n
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DE ONDE SURGIU A IDEIA DESSA EXPEDI\u00c7\u00c3O?<\/b><\/h4>\n

Eu costumo dizer que o rabo da cobra come\u00e7a na cabe\u00e7a. E o que eu quero dizer com essa express\u00e3o \u00e9 que tem coisas do agora diretamente ligadas com algo mais distante no tempo. Muito do que acontece no presente \u00e9 consequ\u00eancia inevit\u00e1vel de algo que come\u00e7ou l\u00e1 no passado. \u00c9 consequ\u00eancia de experi\u00eancias e escolhas feitas no passado. Ent\u00e3o vou come\u00e7ar do come\u00e7o mesmo, onde acho que essa hist\u00f3ria teve uma verdadeira origem.<\/p>\n

\"\"<\/a>Nos anos 80, quando eu era pr\u00e9-adolescente (sou de 1972), minha fam\u00edlia se mudou para uma casa que dava de fundo para um bosque. Cortando esse bosque, a menos de 20 metros da casa, passava um riacho. Eu tinha 12 anos de idade quando nos mudamos para l\u00e1, e sempre empolgado por morar pegado a um bosque e um riacho, eu costumava sair depois da escola ou nos finais de semana pra explorar o bosque adentro, muitas vezes seguindo as margens do riacho pra chegar em outras \u00e1reas onde o bosque se abria mais ainda. Era uma experi\u00eancia bacana ir vendo esquilos e p\u00e1ssaros diferentes, \u00e0s vezes coelhos, e \u00e0s vezes alguma pegada de algum outro bicho mais dif\u00edcil de ver ao vivo na natureza. Levado pela curiosidade e sentimento de desbravador de adolescente, num s\u00e1bado ou domingo qualquer, eu coloquei \u00e1gua e comida numa pequena mochila e desci da casa at\u00e9 a beira do riacho, disposto a caminhar riacho abaixo por uma manh\u00e3 inteira se fosse necess\u00e1rio, determinado a ver at\u00e9 onde aquele riacho ia. Me lembro que eu pensei, ao come\u00e7ar a aventura daquele dia, nos amigos que iam gostar de estar juntos para explorar aquele caminho, mas que n\u00e3o estavam porque eu estava morando em outro pa\u00eds. O Carlos Andr\u00e9 e o Serginho eram meus melhores amigos com quem eu fazia as aventuras de crian\u00e7as entrando na adolesc\u00eancia: Juntos a gente andava de bicicleta, escalava pedras nos cantos das praias nas f\u00e9rias de ver\u00e3o, explodia bombinhas em muros de terrenos baldios e outras coisas que pr\u00e9-adolescentes fazem para ir sabendo mais sobre o mundo. Meus amigos de inf\u00e2ncia que compartilharam as descobertas e o gosto pela aventura.
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Fui seguindo esse riacho pelo bosque.<\/figcaption><\/figure>\n

Descendo seguindo o caminho daquele riacho, eu me senti nosso representante numa aventura solo, colocando em pr\u00e1tica o nosso esp\u00edrito e gosto pela aventura. E ent\u00e3o fui descendo percorrendo as margens daquele curso de \u00e1gua bosque adentro. Era um caminho desobstru\u00eddo. Passava por cima de um ou outro tronco. Eu escalava e descia por um ou outro barranco. No caminho vi outro riacho se juntar a esse que eu seguia. E continuei seguindo. Acho que andei por umas duas horas. E ent\u00e3o para minha surpresa, levando menos tempo do que eu pensei que ia levar, eu cheguei a um grande rio onde o riacho des\u00e1gua. Era um rio largo, lento, daqueles em que a margem oposta est\u00e1 a dezenas de metros. Amplo. Maior do que a minha imagina\u00e7\u00e3o de pr\u00e9-adolescente. Fiquei l\u00e1 um pouco curtindo a vis\u00e3o daquele enorme rio \u201cque eu descobri\u201d. Joguei algumas pedras o mais longe que conseguia jogar l\u00e1 pro meio. Coisa de moleque. A minha miss\u00e3o daquele dia terminou ali. Consegui chegar at\u00e9 onde o pequeno riacho seguia. Para um garoto de 12 anos, sozinho, foi uma grande satisfa\u00e7\u00e3o e conquista. Imaginei como meus amigos estariam orgulhosos da conquista que eu fiz em nome de nossa amizade. E ent\u00e3o voltei andando pra casa por uma estrada de terra que dava numa outra estrada asfaltada que dava acesso \u00e0 rua da minha casa. Por mais simples que tenha sido, foi uma sensa\u00e7\u00e3o de orgulho e realiza\u00e7\u00e3o enorme de aventura e desbravamento. Eu queria saber e ent\u00e3o eu sa\u00ed andando e descobri sozinho aonde aquele riacho chegava!
Nos anos 90, j\u00e1 com vinte e poucos anos eu costumava pegar minha bicicleta e sa\u00eda pra pedalar sempre que tinha algum tempo livre. Eu sa\u00eda pedalando da minha casa no Parque Taquaral em Campinas e fazia passeios de cinquenta, setenta, noventa quil\u00f4metros explorando as estradas de terra de Campinas e dos munic\u00edpios vizinhos nos finais de semana. Eu sa\u00eda pra curtir o exerc\u00edcio, para contemplar as trilhas em meio a fazendas e mares de morros. Pedalava pra espairecer e usava esse tempo em cima da bicicleta tamb\u00e9m para me encontrar. Curtia escutar minhas colet\u00e2neas de m\u00fasica nas minhas fitas K7 num walkman que eu levava comigo. Pedalar pra mim tinha um qu\u00ea de realiza\u00e7\u00e3o, era um relaxamento mental e depois f\u00edsico. Era tamb\u00e9m uma esp\u00e9cie de ato de rebeldia, uma v\u00e1lvula de escape e um momento s\u00f3 meu. E eu pedalava muito. <\/p>\n

\"Alessandro
Alessandro Casella. Ponte sobre o Rio Atibaia em Sousas, Campinas SP, alguns anos depois que a expedi\u00e7\u00e3o j\u00e1 tinha acontecido.<\/figcaption><\/figure>\n

Em um dia outubro ou novembro de 1997 eu estava em uma dessas pedaladas, retornando de uma volta grande pela regi\u00e3o, passando por Sousas, distrito de Campinas SP, e parei sobre o Rio Atibaia, em cima de uma pequena ponte de ferro para pedestres. Em p\u00e9 e com a bicicleta apoiada no meio das minhas pernas eu fiquei l\u00e1 olhando o rio passar. Olhando no sentido rio abaixo. Era gostoso e relaxante ver o sil\u00eancio do rio passando. Combinava com o descansar. A \u00e1gua fluindo calma e lentamente levando algumas folhas e coisas que uma \u00e1gua marrom de rio costuma levar. Deixei meus olhos distra\u00eddos observando o passar da \u00e1gua. E minha mente, como de costume, viajou pra outro lugar, para outro foco, outra aten\u00e7\u00e3o: Naquela \u00e9poca, n\u00e3o somente naquele dia, eu estava me sentindo meio desencontrado, talvez algo comum para um sonhador de 25 anos. Sentia-me preocupado em busca do meu caminho. Naquela fase eu estava me permitindo uma certa liberdade sem urg\u00eancia, mas sentia que tinha que definir o que eu \u201cdeveria fazer da vida\u201d. Seguir alguma carreira? Voltar a fazer uma faculdade? Junte a essas inseguran\u00e7as e incertezas existenciais outras coisas menores por\u00e9m influenci\u00e1veis como um abalo emocional por conta de uma paix\u00e3o recente que n\u00e3o tinha vingado. Eu tinha tamb\u00e9m aquela coisa de “n\u00e3o querer viver uma vida igual a todo mundo\u201d, que era coisa de ego de jovem adulto buscando originalidade. Outra coisa: Eu j\u00e1 gostava muito de esportes de aventura, adorava acampar, viajar de bicicleta, explorar a represa de Nazar\u00e9 Paulista em Atibaia com os amigos usando uma barquinho de alum\u00ednio com motor de popa de 10 hp. Com essa predisposi\u00e7\u00e3o eu me influenciei bastante pelas palavras e pensamentos dos livros do Amyr Klink. Assim como nos livros dele, a leitura de tantos autores de viagens de aventura me inspiraram a querer viajar e conhecer o mundo. Eu sa\u00eda para pedalar para espairecer, mas levava sempre comigo todas essas d\u00favidas, dilemas e inquieta\u00e7\u00f5es.
Nos meus vinte e poucos anos eu sentia claramente o conflito de duas for\u00e7as bem b\u00e1sicas que atuavam sobre mim, em sentidos opostos: Dar satisfa\u00e7\u00e3o ao que meus pais e a sociedade esperavam de mim (e isso em si j\u00e1 \u00e9 bastante confuso), abra\u00e7ando basicamente as tradi\u00e7\u00f5es e caminhos esperados, OU tentar alimentar uma busca pessoal um tanto mais incerta, mas que me desse um sentimento de realiza\u00e7\u00e3o mais original, mais genu\u00edno, \u201cseguindo meu chamado\u201d, seja l\u00e1 o que fosse isso exatamente, com conquistas mais minhas. Essa era a minha cabe\u00e7a naquela \u00e9poca. Nada exclusivo. Muita gente passa por fases e crises assim, e era o momento no qual eu me encontrava. Meus olhos vendo o rio passar, e eu em p\u00e9 ali na ponte com essas coisas no fundo dos meus pensamentos. Talvez n\u00e3o pensando especificamente naquele momento sobre isso, mas naquela \u00e9poca era o que embasava minhas crises existenciais.
E ent\u00e3o, assim como um filme na televis\u00e3o \u00e9 interrompido repentinamente por um corte de energia e a gente de repente olha para fora da janela e pro dia bonito l\u00e1 fora, voltando pra realidade no presente, eu voltei minha presen\u00e7a e aten\u00e7\u00e3o para a \u00e1gua do rio passando abaixo de mim. Sem perceber, naqueles minutos ali, enquanto devaneava na minha crise existencial, minha curiosidade pragm\u00e1tica me soltou uma pergunta, interrompendo todos aqueles pensamentos \u201cbarulhentos\u201d, como algu\u00e9m que cala uma pessoa falando um monte de baboseiras apresentando uma pergunta cuja resposta \u00e9 desafiadora por\u00e9m acess\u00edvel: \u201cPor onde passa a \u00e1gua desse rio no seu caminho pro mar?\u201d. Olhei com mais aten\u00e7\u00e3o para o Rio Atibaia: \u201cComo s\u00e3o as paisagens pelo caminho que ela faz? Onde estar\u00e1 daqui a uma semana? Daqui a um m\u00eas? Quanto tempo esse rio leva pra levar toda essa \u00e1gua at\u00e9 o seu destino final?\u201d.
Senti um eco daquele dia nos anos 80, quando t\u00e3o naturalmente eu quis desbravar o caminho que o riacho percorria at\u00e9 seu destino. E eu senti uma predisposi\u00e7\u00e3o natural para tentar descobrir por conta pr\u00f3pria a resposta. Foi uma sensa\u00e7\u00e3o de despertar, como quando as pupilas dilatam e o mundo fica mais claro, um pouco mais iluminado. Senti uma nova instiga\u00e7\u00e3o e o surgimento de uma possibilidade – Percorrer o caminho que as \u00e1guas da chuva fazem de Campinas at\u00e9 o mar. Me pareceu algo incomum, uma possibilidade de aventura muito atraente pra mim! Ir pelos rios at\u00e9 o oceano tinha grandes chances de ser muito diferente dos caminhos convencionais de terra ou asfalto por onde todo mundo passa. Ali na minha frente, rio abaixo, tinha uma estrada de \u00e1gua aberta, pronta e praticamente deserta, quase sem ningu\u00e9m nela. Uma oportunidade de um caminho relativamente acess\u00edvel, diferente e provavelmente interessante. Talvez algo pra nutrir um sentimento de conquista que eu estava querendo ou precisando. Um rumo. S\u00f3 que eu n\u00e3o ia andar. Iria remar. Remar at\u00e9 o mar!<\/p> <\/div>\n<\/div>\n <\/div>\n <\/div>\n <\/div>\n

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AMADURECENDO A IDEIA<\/b><\/h4>\n

Nos dias e semanas seguintes passei a desenvolver a ideia e a planejar \u2013 Comecei a pensar quais seriam os desafios a serem resolvidos antes e provavelmente durante a poss\u00edvel viagem. Logo de cara eu n\u00e3o sabia exatamente o que eu ia usar pra descer o rio. Claro que eu n\u00e3o iria andar a p\u00e9 pelas margens. O caminho seria percorrido pela \u00e1gua mesmo. Por saber que tinha algumas correntezas mais fortes no Rio Atibaia eu pensei que talvez pudesse ser um bote infl\u00e1vel, desses usados em rafting<\/em>. Mas o bote para as corredeiras funciona bem em \u00e1gua com correnteza forte. Para remar em \u00e1guas mais tranquilas ou represas \u00e9 p\u00e9ssimo; pesado e sem efici\u00eancia hidrodin\u00e2mica alguma. Pensei em caiaque. Era uma possibilidade tamb\u00e9m. Dei uma pesquisada na internet e acabei vendo tamb\u00e9m sobre canoas. Uma canoa pode levar mais carga do que um caiaque, apesar de n\u00e3o t\u00e3o veloz quanto. Mas se eu n\u00e3o tivesse pressa, tudo bem.<\/span> Em paralelo eu dei uma olhada no mapa para ver o caminho que o Rio Atibaia fazia at\u00e9 o mar. Peguei um mapa impresso mesmo, j\u00e1 que naquela \u00e9poca n\u00e3o tinha a praticidade do Google Maps<\/em>. Meu dedo foi seguindo a linha azul no mapa… Rio Atibaia… Rio Piracicaba… Rio Tiet\u00ea… Rio Paran\u00e1… e o litoral ficando cada vez mais longe \u00e0 medida que meu dedo seguia sentido interior do estado. Da\u00ed o Rio Paran\u00e1 seguia sentido sudoeste, passando por dentro da Argentina e da\u00ed saindo no mar. O caminho tinha mais de tr\u00eas mil quil\u00f4metros! Definitivamente eu n\u00e3o iria querer arrastar um trambolho de um bote infl\u00e1vel por mais de tr\u00eas mil quil\u00f4metros. Com o tempo e pesquisas, cheguei \u00e0 conclus\u00e3o que uma canoa modelo canadense teria capacidade de carga e a hidrodin\u00e2mica adequada para uma expedi\u00e7\u00e3o desse porte. S\u00f3 que teria de ser uma canoa importada, pois aqui no Brasil os modelos mais modernos ainda eram feitos em fibra de vidro e o desenho do casco deixava um pouco a desejar em termos de desempenho. Nos Estados Unidos e Canad\u00e1 j\u00e1 tinham modelos feitos de fibra de carbono e com projeto espec\u00edfico para longas expedi\u00e7\u00f5es.
Na \u00e9poca que essa ideia surgiu eu era monitor do muro de escalada na Toca da Montanha, uma loja de equipamentos de aventura no Cambu\u00ed, bairro de Campinas. Al\u00e9m de loja e muro de escalada, l\u00e1 acabava sendo tamb\u00e9m um ponto de encontro com outras pessoas que tamb\u00e9m curtiam esportes e atividades de aventura na natureza. Comecei a compartilhar a ideia de descer os rios com alguns amigos e conhecidos, para ver se algu\u00e9m se animava a ir junto. At\u00e9 ent\u00e3o n\u00e3o tinha pensado se seria uma dupla, um grupo, ou solo. A ideia estava tomando forma ainda. Dois amigos que escalavam na \u00e9poca, o Thiaguinho e o Z\u00e3o, que remavam no Rio Atibaia atrav\u00e9s do Clube de Remo de Sousas gostaram da ideia, mas a motiva\u00e7\u00e3o deles talvez n\u00e3o tenha sido na mesma intensidade que a minha. Nem as prioridades. Para eles seria invi\u00e1vel.
Convidei amigos mais pr\u00f3ximos. Muitos riram da ideia e do convite, e de alguns eu escutava at\u00e9 um \u201cc\u00ea t\u00e1 loco\u201d. Alguns achavam legal e ficavam tentados, mas cada um por seu motivo n\u00e3o se animou de ir. Teve at\u00e9 o caso de um amigo que convidei na \u00e9poca, e que anos mais tarde ele admitiu pra mim que apesar de ter ficado com muita vontade, ele n\u00e3o foi por medo. Ele admitiu que n\u00e3o tinha coragem de sair remando no desconhecido e acampando no meio do nada.
Um dos amigos que eu teria convidado teria sido o Carlos Andr\u00e9, amigo de inf\u00e2ncia que fez parte dos meus pensamentos quando fui fazer a caminhada sozinho, com 12 anos de idade, para descobrir o caminho que o riacho fazia (leia aqui em “De onde surgiu a ideia da expedi\u00e7\u00e3o”)<\/a>. O Carlos tinha se tornado parceiro de v\u00e1rias aventuras, de escaladas e viagens de bicicleta. S\u00f3 que ele, um dos meus melhores amigos, faleceu num acidente de carro no ano anterior. A morte de um amigo t\u00e3o pr\u00f3ximo, no auge de nossa juventude, contribuiu tamb\u00e9m para me fazer pensar que de fato a gente n\u00e3o dura pra sempre, que nossa vida \u00e9 vulner\u00e1vel e fr\u00e1gil, e que devemos fazer o melhor de nosso tempo aqui nesse planeta. E que descer um rio a remo n\u00e3o \u00e9 uma ideia insana, mas uma aventura a ser vivida como parte de valorizar a liberdade na minha vida.
Enfim, cada convite recusado teve seu motivo, seu racional, seu processo de pondera\u00e7\u00e3o. Cheguei a pensar, e n\u00e3o via problemas nisso, em fazer a viagem sozinho mesmo. Passou alguns meses, e nisso eu j\u00e1 tinha o projeto bem detalhado e escrito. E sem urg\u00eancia em definir se seria uma viagem solo ou n\u00e3o, eu mantive a possibilidade de mais gente se juntar a mim. Seria mais divertido talvez, e mais seguro com certeza, ter algu\u00e9m para compartilhar o dia a dia da viagem de canoa.<\/p>\n

Nesse per\u00edodo eu tamb\u00e9m percebi que ia precisar de alguma forma de patroc\u00ednio, pois teria que comprar equipamentos espec\u00edficos. S\u00f3 a importa\u00e7\u00e3o de uma canoa j\u00e1 seria um custo consider\u00e1vel. E tinha tamb\u00e9m os custos de pelo menos 3 meses de alimenta\u00e7\u00e3o e alguns outros custos log\u00edsticos. J\u00e1 que era um projeto inusitado, eu considerava que havia uma boa chance de ser atraente para alguma empresa ou marca que quisesse associar o nome a um desafio e feito diferente. Ent\u00e3o comecei a escrever o projeto batizado temporariamente de “Projeto Descendo os Rios\u201d. Montei ele num formato de proposta de patroc\u00ednio. Com o passar do tempo eu pensei e acabei pensando em um nome mais sonoro, mais po\u00e9tico. Ent\u00e3o defini que se chamaria “Projeto Remar at\u00e9 o Mar”, que virou “Expedi\u00e7\u00e3o Remar at\u00e9 o Mar”.
Nessa fase eu comentei com o amigo Carlos Vageler, que tamb\u00e9m frequentava a Toca da Montanha, sobre meus planos. Eu conheci o Carlos atrav\u00e9s do amigo Douglas Fernandes, da academia Along Center, onde anos antes eu tinha feito um curso de escalada. Foi o Carlos que tinha dado o curso. O Carlos ficou intrigado com a ideia de descer os rios de Canoa saindo de Campinas, e dias depois me disse que animava participar e aceitou meu convite. E ent\u00e3o juntos come\u00e7amos a correr atr\u00e1s de patroc\u00ednio e planejar mais a fundo a expedi\u00e7\u00e3o.<\/p> <\/div>\n<\/div>\n <\/div>\n <\/div>\n <\/div>\n

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BUSCA DE PATROC\u00cdNIO \u2013 O MAIS DESGASTANTE DE TODO O PROJETO<\/b><\/h4>\n

Come\u00e7amos a entrar em contato com v\u00e1rias empresas, tanto as pequenas aqui da regi\u00e3o quanto as multinacionais com marcas j\u00e1 estabelecidas. Fomos tentando marcar alguma reuni\u00e3o para apresentar o projeto. Vimos a possibilidade de abordar uma tem\u00e1tica ambiental durante a expedi\u00e7\u00e3o. De relatar e documentar durante a viagem o nosso testemunho sobre as condi\u00e7\u00f5es dos rios e represas por onde passamos. Naquela fase fizemos contato com pessoas nos meios de comunica\u00e7\u00e3o como o jornalista Jos\u00e9 Pedro Martins do Correio Popular de Campinas, e a Liana John da Ag\u00eancia Estado e R\u00e1dio Eldorado, que ajudaram a divulgar nosso projeto. O Roberto Fernandes do portal de aventuras na internet, o 360 Graus, que na \u00e9poca produzia o site do Amyr Klink, tamb\u00e9m aderiu ao nosso projeto. O site da nossa expedi\u00e7\u00e3o seria o primeiro no Brasil a ser atualizado durante a viagem. O Evaristo Miranda da Embrapa tamb\u00e9m simpatizou com nosso projeto e disponibilizou imagens de sat\u00e9lite de alguns trechos do percurso para colocarmos no site durante a viagem. Enfim, v\u00e1rias institui\u00e7\u00f5es e meios de comunica\u00e7\u00e3o demonstraram interesse em apoiar e divulgar a nossa viagem. T\u00ednhamos v\u00e1rios apoios ou inten\u00e7\u00f5es de apoio depois de v\u00e1rios meses batalhando para dar forma ao projeto. Mas faltava algu\u00e9m patrocinar com dinheiro, para comprarmos os equipamentos necess\u00e1rios, como a canoa por exemplo, e cobrir os custos operacionais, como alimenta\u00e7\u00e3o.
Foram muitos faxes e cartas e envelopes com projetos encadernados enviados para Ita\u00fa, Santander, Toyota, Coca Cola, Nestl\u00e9, Yoki, Merck Sharp, Ripasa, Arisco, Parmalat, Gessy Lever, Cica, Rhodia, IBM, Toddy, Nescau, Gatorade, Ford, GM, Natura, Bradesco, etc. etc. E muitos faxes polidos e educados apreciando a grandiosidade do projeto, desejando sucesso por\u00e9m sem possibilidade ou interesse em participar. Foi um processo de mais de ano tentando manter a esperan\u00e7a acesa.<\/p>\n

O PRIMEIRO PATROC\u00cdNIO<\/b><\/h4>\n

Nesse per\u00edodo de desenvolvimento do projeto eu conheci e comecei a namorar a Janaina. Nessa \u00e9poca ela come\u00e7ou a trabalhar na Bosch em Campinas. Um dia eu tinha escrito e diagramado a proposta de patroc\u00ednio para um formato de uma p\u00e1gina de fax, e liguei pra Janaina pedindo pra ela dar uma revisada pra mim. Ela me passou o n\u00famero do fax do trabalho e eu enviei pra ela. Passou meia hora e ela ligou perguntando se eu j\u00e1 tinha mandado. \u201cU\u00e9, sim, voc\u00ea n\u00e3o recebeu?\u201d – \u201cN\u00e3o. Manda de novo\u201d – \u201cOk.\u201d – Reenviei – \u201cOk, agora recebi\u201d. E ficou por isso mesmo. Ela corrigiu uma ou outra palavra errada que eu deixei escapar e eu arrumei o texto, para mandar para alguma empresas na minha lista.
Umas duas semanas depois eu recebi uma liga\u00e7\u00e3o: \u201cBom dia Alessandro, tudo bem? Meu nome \u00e9 Creuza e eu sou do marketing da divis\u00e3o de ferramentas el\u00e9tricas da Bosch e estou aqui com um fax que voc\u00ea nos enviou pedindo patroc\u00ednio. Muito interessante esse teu projeto! Sorte sua que a nossa estagi\u00e1ria estava em outro departamento quando viu esse fax chegando por l\u00e1. Como ela viu que o fax chegou no departamento errado ela o trouxe pra c\u00e1. A gente avaliou o teu projeto e gostar\u00edamos de ajudar. Queremos participar com a cota de dois mil reais e disponibilizar algumas ferramentas el\u00e9tricas pra voc\u00eas. O que voc\u00ea acha?\u201d. Logo depois eu liguei pra Janaina e contei porque ela n\u00e3o tinha recebido o primeiro fax!
E foi assim que come\u00e7ou a mudar nossa sorte. Depois de muitos meses, finalmente o primeiro patroc\u00ednio. Em seguida, a Funda\u00e7\u00e3o Educar DPaschoal tamb\u00e9m entrou no projeto com uma quantia em dinheiro. E na sequ\u00eancia outras empresas. O Ademar, que era trainee na Funda\u00e7\u00e3o Educar DPaschoal, estava envolvido com uma empresa em forma\u00e7\u00e3o na \u00e9poca, de rastreamento veicular, a OrbSystem, e eles tamb\u00e9m se interessaram em participar com alguns equipamentos eletr\u00f4nicos. Eles nos deram o notebook que a gente viria a usar para escrever os di\u00e1rios da viagem e armazenar fotos digitais da m\u00e1quina digital que a Kodak viria a fornecer. O Edward Bilton, diretor da Cia Athletica do Galleria Shopping em Campinas, nos apoiou com livre acesso \u00e0 academia at\u00e9 o in\u00edcio da expedi\u00e7\u00e3o pra gente se preparar para os v\u00e1rios meses de remada que estavam por vir, mais cedo ou mais tarde. Nos Estados Unidos o Michael Ketchel da Mad River Canoe gostou muito do projeto, pois seria uma longa expedi\u00e7\u00e3o usando uma de suas canoas, e conseguiu fornecer a canoa e acess\u00f3rios a pre\u00e7o de custo (Infelizmente quando a expedi\u00e7\u00e3o come\u00e7ou o Michael da Mad River tinha sa\u00eddo do seu cargo, e o marketing da Mad River Canoes n\u00e3o deu continuidade em seu contato com a gente acabou n\u00e3o acompanhando o andar da nossa expedi\u00e7\u00e3o por aqui). Atrav\u00e9s do apoio da ABSA e da South Florida Air, conseguimos trazer a canoa de avi\u00e3o. Boa parte de nossos equipamentos da expedi\u00e7\u00e3o, de fogareiros a barracas, panelas, sacos de dormir, lanternas e isolantes t\u00e9rmicos n\u00f3s compramos na Serelepe em S\u00e3o Paulo; O Francisco Chorroarin, dono da loja, Argentino, tamb\u00e9m simpatizou com nossa proposta de descer at\u00e9 Buenos Aires remando uma canoa e nos deu um generoso desconto na aquisi\u00e7\u00e3o dos equipamentos. A Kodak, atrav\u00e9s da aten\u00e7\u00e3o do Richard Ford, nos forneceu uma m\u00e1quina digital e v\u00e1rios rolos de filme negativo e positivo, o que foi uma contribui\u00e7\u00e3o fundamental para podermos gerar todas as imagens que ir\u00edamos registrar durante a viagem. Inclusive a m\u00e1quina digital na \u00e9poca era uma novidade, e ia possibilitar alimentar o site com fotos sem precisar passar pelo processo de escaneamento.
Nesse per\u00edodo a gente foi muito a S\u00e3o Paulo para apresentar o projeto e discutir as possibilidades com poss\u00edveis patrocinadores. A diretoria da CESP por exemplo, que administra todas as barragens pelas quais ir\u00edamos passar ao longo do Rio Tiet\u00ea, se interessou. Em janeiro de 1999, cinco meses antes do m\u00eas estabelecido para nosso in\u00edcio, o diretor do departamento de comunica\u00e7\u00e3o da CESP nos disse em reuni\u00e3o, pessoalmente, que o projeto era excelente, que poderia ser utilizado pelo departamento de comunica\u00e7\u00e3o da CESP e que eles iam participar com uma cota, integral ou parcial, para nossa expedi\u00e7\u00e3o. Ficamos muito animados, pois o que entraria de dinheiro ajudaria a cobrir os custos m\u00ednimos que a gente tinha estipulado para fazer a expedi\u00e7\u00e3o acontecer. Com mais de um ano buscando patroc\u00ednio, sem conseguir cobrir uma cota master, a gente foi enxugando o projeto: Por exemplo, eu havia desenvolvido o Projeto Remar Kids, atrav\u00e9s do qual a gente ia manter contato com escolas participantes antes, durante e depois da expedi\u00e7\u00e3o de canoa pelos rios, repassando para a crian\u00e7as muito do conte\u00fado educacional da expedi\u00e7\u00e3o. Mas por motivos de valores n\u00e3o alcan\u00e7ados, mal est\u00e1vamos conseguindo um m\u00ednimo para equipamentos e alimenta\u00e7\u00e3o, n\u00f3s engavetamos o Remar Kids. A informa\u00e7\u00e3o de que a CESP iria participar com uma quantia em dinheiro era \u00f3tima! Quem sabe o Remar Kids pudesse ser colocado em pr\u00e1tica? Por\u00e9m, depois daquela reuni\u00e3o, os dias passaram e n\u00e3o fizeram contato. Passaram algumas semanas. Passou mais de m\u00eas e est\u00e1vamos tentando um follow up<\/em>. Nada. S\u00f3 depois de uns tr\u00eas meses insistindo \u00e9 que nos retornaram confirmando o que j\u00e1 est\u00e1vamos prevendo: A CESP voltou atr\u00e1s e n\u00e3o participaria mais. Houve naquele per\u00edodo uma reestrutura\u00e7\u00e3o interna de pessoal e nosso projeto foi esquecido. A essa altura j\u00e1 est\u00e1vamos calejados pelas negativas. Ficamos tristes, por\u00e9m continuamos determinados a colocar a canoa na \u00e1gua pra fazer a viagem naquele ano mesmo.<\/p> <\/div>\n<\/div>\n <\/div>\n <\/div>\n <\/div>\n

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O PROJETO SE CONSOLIDOU<\/b><\/h4>\n
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Atrav\u00e9s dessa mat\u00e9ria de jornal, meus pais ficaram sabendo dos meus planos.<\/figcaption><\/figure>\n

Em casa ningu\u00e9m estava sabendo dos meus planos. Tinha sido tudo em sigilo at\u00e9 ent\u00e3o. Porque eu sei que meus pais, principalmente meu pai, iria falar que era loucura, que era irresponsabilidade, que era falta do que fazer e por a\u00ed vai. Eu n\u00e3o queria o fardo emocional do balde e \u00e1gua fria vindo dos meus pais. Ent\u00e3o nunca contei pra eles, at\u00e9 chegar o momento que era inevit\u00e1vel eles saberem. E isso aconteceu em mar\u00e7o de 98, na forma de uma mat\u00e9ria de meia p\u00e1gina no jornal Folha de S\u00e3o Paulo, numa edi\u00e7\u00e3o de domingo. O jornalista Maur\u00edcio Simionato publicou no Jornal Folha Campinas uma mat\u00e9ria com a chamada \u201cDupla quer remar at\u00e9 a Argentina\u201d e logo abaixo uma foto onde eu e o Carlos est\u00e1vamos dentro de uma canoa. Esse jornal chegou em casa e eu fiquei de olho sabendo que meu pai ia chegar naquela not\u00edcia, e fiquei observando ele, sentado na varanda lendo o jornal. E ent\u00e3o eu vi meu pai abrindo o jornal naquela p\u00e1gina e lendo a mat\u00e9ria. E eu vi a cara dele expressando uma certa confus\u00e3o, uma cara de “U\u00e9??”, sem assimilar ou entender direito o que ele tinha lido. Ali\u00e1s, ele entendeu. A dificuldade parece ter sido associar o filho dele com a pessoa que estava sendo mencionada na mat\u00e9ria, que ia fazer a tal viagem de canoa at\u00e9 Buenos Aires. A minha m\u00e3e estava l\u00e1 e meu pai mostrou a mat\u00e9ria pra ela, e eles se viraram para mim. Expliquei ent\u00e3o o projeto para eles. Contei sobre as pessoas e empresas que j\u00e1 estavam envolvidas, a dura\u00e7\u00e3o, e por a\u00ed vai. At\u00e9 hoje n\u00e3o sei dizer o que realmente pensaram de positivo ou de negativo, sobre a ideia e sobre o filho deles. Mas tenho a impress\u00e3o de que por um lado eles se sentiram entretidos e sem palavras sobre a novidade. Acho que a palavra \u201cestupefato\u201d me vem \u00e0 mente agora, lembrando da express\u00e3o do meu pai na ocasi\u00e3o.<\/p>\n

O tempo passou, e mais uma vez cito o s\u00e1bio prov\u00e9rbio chin\u00eas: \u201cA n\u00e3o ser que a gente mude de dire\u00e7\u00e3o, a tend\u00eancia \u00e9 chegar onde estamos indo.\u201d J\u00e1 havia passado pouco mais de um ano desde aquele dia na ponte em Sousas. Muitos contatos haviam sido feitos, equipamentos providenciados, gente envolvida e n\u00e3o tinha mais volta. No in\u00edcio do ano de 1999 n\u00f3s marcamos a data de partida para Junho do mesmo ano.<\/p> <\/div>\n<\/div>\n <\/div>\n <\/div>\n <\/div>\n

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ARRANJOS FINAIS\u00a0<\/b><\/h4>\n

A canoa veio dos Estados Unidos. Depois das negocia\u00e7\u00f5es com a Mad River Canoe e procedimentos de sele\u00e7\u00e3o e compra dela e dos acess\u00f3rios, e do transporte a\u00e9reo providenciado pela ABSA e South Florida Air, ela veio do estado de Vermont no nordeste dos Estados Unidos at\u00e9 o aeroporto de Viracopos em Campinas, passando pela Fl\u00f3rida. Aterrissou no Brasil no dia 31 de mar\u00e7o de 1999. Pelo tamanho dela, quase 6 metros de comprimento, o transporte a\u00e9reo teria custado uma fortuna, o equivalente ao transporte de 6 toneladas, ou 6 metros c\u00fabicos, que foi o seu volume. Felizmente o pessoal da ABSA foi generoso e fez esse transporte pra gente. E felizmente ela pesa apenas 28 kg.<\/p>\n

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Canoa e remos rec\u00e9m chegados dos Estados Unidos.<\/figcaption><\/figure>\n

Ap\u00f3s o processo de libera\u00e7\u00e3o da importa\u00e7\u00e3o n\u00f3s fomos buscar a canoa em 15 de Abril, faltando exatos cinquenta dias para o in\u00edcio de nossa viagem. A canoa estava embrulhada em pl\u00e1stico bolha azul. E quando cheguei nela, ainda no galp\u00e3o de mercadorias importadas, eu tirei o pl\u00e1stico da proa (frente da canoa) pra tocar nela. E quando fiz isso meu cora\u00e7\u00e3o quase parou e pensei \u201cFUDEU!\u201d. Eu senti ela muito fr\u00e1gil! A parte do caso que toquei parecia um papel\u00e3o endurecido \u2013 Aquela parte da proa, o material, era fino demais!!! Eu olhei para aquilo e pensei que foi um erro, que essa canoa era algo que n\u00e3o ia aguentar uma viagem daquela dimens\u00e3o. Pensei que me mandaram a canoa errada. N\u00e3o podia ser! Tive a p\u00e9ssima impress\u00e3o de arrependimento, de que sem saber eu comprei um equipamento muito fr\u00e1gil, inadequado. E n\u00e3o tinha o que fazer. Depois de todo aquele trabalho a canoa j\u00e1 estava aqui. Mas me deixa dizer logo: Foi um erro meu! Ignor\u00e2ncia minha! Era uma canoa de Kevlar, uma fibra de carbono desenvolvida pela DuPont. E eu n\u00e3o tinha nenhuma familiaridade com aquele tipo de material e errei feio naquele primeiro julgamento. Felizmente! A canoa com seus 5.6 metros pesava apenas 28 kg! E o Kevlar \u00e9 o mesmo material usado em coletes a prova de balas, na constru\u00e7\u00e3o de sat\u00e9lites, equipamentos ol\u00edmpicos de ponta e tantas outras coisas fabricadas com tecnologia avan\u00e7ada. Levamos a canoa para minha casa, e l\u00e1 deu pra ver o quanto ela era refor\u00e7ada em v\u00e1rios pontos; a rigidez e espessura do seu fundo. O refor\u00e7o na base das laterais. E a\u00ed que eu vi que aquele ponto onde coloquei a m\u00e3o, meu primeiro contato, era realmente a parte com menor espessura, pois era o ponto da canoa que recebe menos estresse mec\u00e2nico quando est\u00e1 em uso. Ela na verdade era perfeita! Linda, leve e robusta!! Essa canoa seria o nosso transporte, na qual ir\u00edamos confiar nossas vidas por mais de 3 meses, em situa\u00e7\u00f5es das mais adversas de \u00e1gua e clima. Eu batizei a canoa com o nome da minha querida av\u00f3 materna escocesa: Ethel.
O Roberto Fernandes, da 360 Graus, que ia cuidar e alimentar o site durante nossa viagem tinha o contato com o Amyr Klink, pois tamb\u00e9m cuidava do site dele. Atrav\u00e9s do Roberto o Amyr Klink doou para o nosso projeto uma grande quantidade de comida liofilizada que a Nutrilatina havia produzido e patrocinado para a sua viagem de veleiro ao redor do mundo na regi\u00e3o da Ant\u00e1rtida, e que havia sobrado. Isso foi muito bem vindo, pois ter\u00edamos como levar comida leve e sem necessidade de refrigera\u00e7\u00e3o, sem contar a grande economia que far\u00edamos no gasto com comida ao longo do caminho. Recebemos tamb\u00e9m v\u00e1rias caixas de barrinhas de cereais Nutry. Aos poucos, e cada vez mais pr\u00f3ximo da data de partida, o essencial estava gradualmente sendo resolvido. Gra\u00e7as ao nosso esfor\u00e7o, incluindo a grande ajuda e dedica\u00e7\u00e3o da noiva do Carlos, a Alessandra Bonaf\u00e9, que agilizou e correu atr\u00e1s de tantos contatos, parcerias e imprensa.<\/p>\n

A canoa e os remos, nossos principais coadjuvantes, j\u00e1 estavam com a gente. Determinamos ent\u00e3o finalmente a data de in\u00edcio: Seria no s\u00e1bado dia 5 de junho, dia Mundial do Meio Ambiente. Fiz contato com o subprefeito de Sousas e reservei a Pra\u00e7a Beira Rio para a manh\u00e3 de nossa partida. A imprensa foi avisada e convidamos nossos amigos, conhecidos e parceiros do projeto para acompanharem a nossa partida. E tamb\u00e9m come\u00e7amos a divulgar o site para quem quisesse acompanhar a expedi\u00e7\u00e3o ao longo dos meses. (Na \u00e9poca era www.remar.com.br, e atualmente \u00e9 www.remarateomar.com)<\/p> <\/div>\n<\/div>\n <\/div>\n <\/div>\n <\/div>\n

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ENTRE A F\u00c9 E A LOUCURA<\/b><\/h4>\n

Um ano e meio de preparativos. Desde o dia que resolvi que ia descer remando at\u00e9 Buenos Aires, esse projeto passou a ser um foco de aten\u00e7\u00e3o constante pra mim. Eu sei que muitos amigos acharam que eu tinha enlouquecido por causa dessa ideia. Enlouquecido no sentido de ter perdido no\u00e7\u00e3o da realidade, de ter perdido no\u00e7\u00e3o do que \u00e9 vi\u00e1vel, do que \u00e9 poss\u00edvel. Enlouquecido no sentido de me tornar insensato. Mas tudo bem. A gente prova o poss\u00edvel atrav\u00e9s do exemplo. Essas coisas apenas n\u00e3o fazem parte da rotina da maioria das pessoas. Eu aprendi faz tempo a jamais dar ouvidos para quem nunca ousou abrir as pr\u00f3prias asas ao vento. At\u00e9 acontecer e definir a data de partida, realmente parecia a busca por um sonho insano aos olhos dos outros. Uma busca insensata por uma utopia. Projeto remar at\u00e9 o mar… Projeto remar at\u00e9 o mar. Esse foi meu assunto predominante por um ano e meio. Quantas vezes essa fala saiu da minha boca, com amigos e com a namorada: Projeto Remar At\u00e9 o Mar.
O namoro com a Janaina j\u00e1 tinha terminado em novembro de 1998. Naturalmente cada um seguiu consciente o seu caminho. Ficou o respeito, admira\u00e7\u00e3o e o carinho. Naquele per\u00edodo de um ano que namoramos a Janaina escutava sempre \u201c…projeto remar at\u00e9 o mar\u201d. At\u00e9 eu n\u00e3o aguentava mais, imagina ela. N\u00e3o foi f\u00e1cil pra quem estava comigo. Amigos me julgavam meio perdido. Acreditar em si pr\u00f3prio quando se tem uma vis\u00e3o que os outros n\u00e3o compartilham j\u00e1 \u00e9 dif\u00edcil. Imagina para os outros acreditarem em voc\u00ea. Mas deu certo. Ter tido f\u00e9, esperan\u00e7a e paci\u00eancia valeu a pena. Duas semanas antes de come\u00e7ar a viagem eu liguei pra Janaina, que j\u00e1 estava noiva e com casamento marcado, pra dizer que o Projeto Remar At\u00e9 o Mar ia deixar de ser apenas projeto. Agora era Expedi\u00e7\u00e3o Remar At\u00e9 o Mar, com data de partida marcada para o dia 5 de junho. Ela veio em casa pra gente se despedir, e eu pude mostrar o quanto tudo estava se concretizando \u2013 A canoa que seria utilizada estava l\u00e1, e tamb\u00e9m os equipamentos obtidos gra\u00e7as \u00e0s empresas que estavam acreditando no projeto. Falei sobre o tanto de gente envolvida e a propor\u00e7\u00e3o que o meu projeto havia tomado. Eu sentia que devia isso a ela. Algo em mim quis dizer pra ela que ela n\u00e3o tinha perdido tempo com um mero sonhador. Mas que eu precisei de tempo para fazer o meu sonho acontecer. E tive que fazer sacrif\u00edcios. E foi uma paz pra mim poder fazer isso, mostrar pra ela que finalmente tinha dado certo. E ela tamb\u00e9m tinha boas not\u00edcias de seus sonhos se concretizando: Assim como eu come\u00e7aria a expedi\u00e7\u00e3o no s\u00e1bado dia 5 de Junho, ela iria se casar no s\u00e1bado seguinte, dia 12 de Junho, e iria se mudar com o marido para os Estados Unidos. Sou grato acima de tudo pela amizade e respeito m\u00fatuo que tivemos o privil\u00e9gio de exercer. E sinto que teve algo de grandioso e verdadeiro em cada um saber seguir o seu caminho, e ter aproveitado para crescer um com o outro enquanto est\u00e1vamos juntos.<\/p> <\/div>\n<\/div>\n <\/div>\n <\/div>\n <\/div>\n

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N\u00c3O FALTAVA MAIS NADA<\/b><\/h4>\n
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Primeiras impress\u00f5es da canoa: Na piscina.<\/figcaption><\/figure>\n

Nas semanas e dias antes da data de partida da viagem eu e o Carlos testamos os equipamentos e a canoa carregada dentro da piscina. Testamos a impermeabilidade das barricas e bolsas estanques. Idealmente tudo na canoa deve ficar acomodado e preso de maneira que se ela virar em qualquer momento nossa \u00fanica preocupa\u00e7\u00e3o ser\u00e1 desvirar a canoa, nadar at\u00e9 alguma margem puxando ou empurrando ela e depois tirar a \u00e1gua. E continuar remando. Mesmo tombada a canoa cheia de \u00e1gua n\u00e3o afunda, pois tem ar aprisionado nas bagagens o suficiente para garantir que o conjunto todo continue boiando como uma pe\u00e7a s\u00f3. A \u00faltima coisa que eu iria querer fazer \u00e9 sair catando um monte de equipamento molhado boiando no meio de um rio ou represa. <\/span><\/p>\n

\"\"Ent\u00e3o tudo foi projetado para ficar preso na canoa e seco caso ela virasse. Por isso v\u00e1rios testes e estudos de arranjos e amarra\u00e7\u00e3o dos equipamentos. Tentamos pensar em tudo que poderia dar errado e como evitar e como remediar. O que fazer em caso de chuva, pra n\u00e3o encher a canoa de \u00e1gua. Em caso de ondas. Tentamos antecipar v\u00e1rios cen\u00e1rios, e o que poder\u00edamos fazer para resolver o problema de cada um. Que equipamento ou acess\u00f3rio ou procedimento seria colocado em pr\u00e1tica. Foi um exerc\u00edcio e planejamento para dar a menor chance de acontecer falhas que poderiam comprometer a expedi\u00e7\u00e3o.<\/span><\/p>\n

A natureza das \u00e1guas que formam um rio \u00e9 escorrer pelo relevo na passagem de menor resist\u00eancia, rumo abaixo, \u00e0s vezes preenchendo lagos ou represas, mas sempre com a tend\u00eancia de continuar escorrendo e chegar at\u00e9 algum mar ou oceano. Como diz ent\u00e3o o s\u00e1bio ditado chin\u00eas: \u201cA n\u00e3o ser que a gente mude de dire\u00e7\u00e3o, a tend\u00eancia \u00e9 a gente chegar aonde estamos indo\u201d.<\/span><\/p>\n

Canoa e remos, check. Remos reserva, check. Um rio longo e vasto como uma extensa estrada aberta e desimpedida, check. Sa\u00fade. Disposi\u00e7\u00e3o. Comida para meses. Apoios estabelecidos. Local, data e hor\u00e1rio de partida estabelecidos, check, check, check, check, check, check… Liberdade para partir? Tempo para se viver? N\u00e3o faltava mais nada. O mais complicado passou. N\u00f3s fizemos, e nos tornamos prontos para come\u00e7ar a remar at\u00e9 o mar.
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DE ONDE SURGIU A IDEIA DESSA EXPEDI\u00c7\u00c3O? Eu costumo dizer que o rabo da cobra come\u00e7a na cabe\u00e7a. E o que eu quero dizer com essa express\u00e3o \u00e9 que tem coisas do agora diretamente ligadas com algo mais distante no tempo. Muito do que acontece no presente \u00e9 consequ\u00eancia inevit\u00e1vel de algo que come\u00e7ou l\u00e1 […]<\/p>\n","protected":false},"author":1,"featured_media":0,"parent":0,"menu_order":0,"comment_status":"closed","ping_status":"closed","template":"","meta":{"footnotes":""},"builder_content":"

DE ONDE SURGIU A IDEIA DESSA EXPEDI\u00c7\u00c3O?<\/b><\/h4>

Eu costumo dizer que o rabo da cobra come\u00e7a na cabe\u00e7a. E o que eu quero dizer com essa express\u00e3o \u00e9 que tem coisas do agora diretamente ligadas com algo mais distante no tempo. Muito do que acontece no presente \u00e9 consequ\u00eancia inevit\u00e1vel de algo que come\u00e7ou l\u00e1 no passado. \u00c9 consequ\u00eancia de experi\u00eancias e escolhas feitas no passado. Ent\u00e3o vou come\u00e7ar do come\u00e7o mesmo, onde acho que essa hist\u00f3ria teve uma verdadeira origem.<\/p>

\"\"<\/a>Nos anos 80, quando eu era pr\u00e9-adolescente (sou de 1972), minha fam\u00edlia se mudou para uma casa que dava de fundo para um bosque. Cortando esse bosque, a menos de 20 metros da casa, passava um riacho. Eu tinha 12 anos de idade quando nos mudamos para l\u00e1, e sempre empolgado por morar pegado a um bosque e um riacho, eu costumava sair depois da escola ou nos finais de semana pra explorar o bosque adentro, muitas vezes seguindo as margens do riacho pra chegar em outras \u00e1reas onde o bosque se abria mais ainda. Era uma experi\u00eancia bacana ir vendo esquilos e p\u00e1ssaros diferentes, \u00e0s vezes coelhos, e \u00e0s vezes alguma pegada de algum outro bicho mais dif\u00edcil de ver ao vivo na natureza. Levado pela curiosidade e sentimento de desbravador de adolescente, num s\u00e1bado ou domingo qualquer, eu coloquei \u00e1gua e comida numa pequena mochila e desci da casa at\u00e9 a beira do riacho, disposto a caminhar riacho abaixo por uma manh\u00e3 inteira se fosse necess\u00e1rio, determinado a ver at\u00e9 onde aquele riacho ia. Me lembro que eu pensei, ao come\u00e7ar a aventura daquele dia, nos amigos que iam gostar de estar juntos para explorar aquele caminho, mas que n\u00e3o estavam porque eu estava morando em outro pa\u00eds. O Carlos Andr\u00e9 e o Serginho eram meus melhores amigos com quem eu fazia as aventuras de crian\u00e7as entrando na adolesc\u00eancia: Juntos a gente andava de bicicleta, escalava pedras nos cantos das praias nas f\u00e9rias de ver\u00e3o, explodia bombinhas em muros de terrenos baldios e outras coisas que pr\u00e9-adolescentes fazem para ir sabendo mais sobre o mundo. Meus amigos de inf\u00e2ncia que compartilharam as descobertas e o gosto pela aventura.
<\/p> [caption id=\"attachment_200\" align=\"alignleft\" width=\"300\"]
\"\"<\/a> Fui seguindo esse riacho pelo bosque.[\/caption]

Descendo seguindo o caminho daquele riacho, eu me senti nosso representante numa aventura solo, colocando em pr\u00e1tica o nosso esp\u00edrito e gosto pela aventura. E ent\u00e3o fui descendo percorrendo as margens daquele curso de \u00e1gua bosque adentro. Era um caminho desobstru\u00eddo. Passava por cima de um ou outro tronco. Eu escalava e descia por um ou outro barranco. No caminho vi outro riacho se juntar a esse que eu seguia. E continuei seguindo. Acho que andei por umas duas horas. E ent\u00e3o para minha surpresa, levando menos tempo do que eu pensei que ia levar, eu cheguei a um grande rio onde o riacho des\u00e1gua. Era um rio largo, lento, daqueles em que a margem oposta est\u00e1 a dezenas de metros. Amplo. Maior do que a minha imagina\u00e7\u00e3o de pr\u00e9-adolescente. Fiquei l\u00e1 um pouco curtindo a vis\u00e3o daquele enorme rio \u201cque eu descobri\u201d. Joguei algumas pedras o mais longe que conseguia jogar l\u00e1 pro meio. Coisa de moleque. A minha miss\u00e3o daquele dia terminou ali. Consegui chegar at\u00e9 onde o pequeno riacho seguia. Para um garoto de 12 anos, sozinho, foi uma grande satisfa\u00e7\u00e3o e conquista. Imaginei como meus amigos estariam orgulhosos da conquista que eu fiz em nome de nossa amizade. E ent\u00e3o voltei andando pra casa por uma estrada de terra que dava numa outra estrada asfaltada que dava acesso \u00e0 rua da minha casa. Por mais simples que tenha sido, foi uma sensa\u00e7\u00e3o de orgulho e realiza\u00e7\u00e3o enorme de aventura e desbravamento. Eu queria saber e ent\u00e3o eu sa\u00ed andando e descobri sozinho aonde aquele riacho chegava!
Nos anos 90, j\u00e1 com vinte e poucos anos eu costumava pegar minha bicicleta e sa\u00eda pra pedalar sempre que tinha algum tempo livre. Eu sa\u00eda pedalando da minha casa no Parque Taquaral em Campinas e fazia passeios de cinquenta, setenta, noventa quil\u00f4metros explorando as estradas de terra de Campinas e dos munic\u00edpios vizinhos nos finais de semana. Eu sa\u00eda pra curtir o exerc\u00edcio, para contemplar as trilhas em meio a fazendas e mares de morros. Pedalava pra espairecer e usava esse tempo em cima da bicicleta tamb\u00e9m para me encontrar. Curtia escutar minhas colet\u00e2neas de m\u00fasica nas minhas fitas K7 num walkman que eu levava comigo. Pedalar pra mim tinha um qu\u00ea de realiza\u00e7\u00e3o, era um relaxamento mental e depois f\u00edsico. Era tamb\u00e9m uma esp\u00e9cie de ato de rebeldia, uma v\u00e1lvula de escape e um momento s\u00f3 meu. E eu pedalava muito. <\/p> [caption id=\"attachment_201\" align=\"alignleft\" width=\"300\"]\"Alessandro Alessandro Casella. Ponte sobre o Rio Atibaia em Sousas, Campinas SP, alguns anos depois que a expedi\u00e7\u00e3o j\u00e1 tinha acontecido.[\/caption]

Em um dia outubro ou novembro de 1997 eu estava em uma dessas pedaladas, retornando de uma volta grande pela regi\u00e3o, passando por Sousas, distrito de Campinas SP, e parei sobre o Rio Atibaia, em cima de uma pequena ponte de ferro para pedestres. Em p\u00e9 e com a bicicleta apoiada no meio das minhas pernas eu fiquei l\u00e1 olhando o rio passar. Olhando no sentido rio abaixo. Era gostoso e relaxante ver o sil\u00eancio do rio passando. Combinava com o descansar. A \u00e1gua fluindo calma e lentamente levando algumas folhas e coisas que uma \u00e1gua marrom de rio costuma levar. Deixei meus olhos distra\u00eddos observando o passar da \u00e1gua. E minha mente, como de costume, viajou pra outro lugar, para outro foco, outra aten\u00e7\u00e3o: Naquela \u00e9poca, n\u00e3o somente naquele dia, eu estava me sentindo meio desencontrado, talvez algo comum para um sonhador de 25 anos. Sentia-me preocupado em busca do meu caminho. Naquela fase eu estava me permitindo uma certa liberdade sem urg\u00eancia, mas sentia que tinha que definir o que eu \u201cdeveria fazer da vida\u201d. Seguir alguma carreira? Voltar a fazer uma faculdade? Junte a essas inseguran\u00e7as e incertezas existenciais outras coisas menores por\u00e9m influenci\u00e1veis como um abalo emocional por conta de uma paix\u00e3o recente que n\u00e3o tinha vingado. Eu tinha tamb\u00e9m aquela coisa de \"n\u00e3o querer viver uma vida igual a todo mundo\u201d, que era coisa de ego de jovem adulto buscando originalidade. Outra coisa: Eu j\u00e1 gostava muito de esportes de aventura, adorava acampar, viajar de bicicleta, explorar a represa de Nazar\u00e9 Paulista em Atibaia com os amigos usando uma barquinho de alum\u00ednio com motor de popa de 10 hp. Com essa predisposi\u00e7\u00e3o eu me influenciei bastante pelas palavras e pensamentos dos livros do Amyr Klink. Assim como nos livros dele, a leitura de tantos autores de viagens de aventura me inspiraram a querer viajar e conhecer o mundo. Eu sa\u00eda para pedalar para espairecer, mas levava sempre comigo todas essas d\u00favidas, dilemas e inquieta\u00e7\u00f5es.
Nos meus vinte e poucos anos eu sentia claramente o conflito de duas for\u00e7as bem b\u00e1sicas que atuavam sobre mim, em sentidos opostos: Dar satisfa\u00e7\u00e3o ao que meus pais e a sociedade esperavam de mim (e isso em si j\u00e1 \u00e9 bastante confuso), abra\u00e7ando basicamente as tradi\u00e7\u00f5es e caminhos esperados, OU tentar alimentar uma busca pessoal um tanto mais incerta, mas que me desse um sentimento de realiza\u00e7\u00e3o mais original, mais genu\u00edno, \u201cseguindo meu chamado\u201d, seja l\u00e1 o que fosse isso exatamente, com conquistas mais minhas. Essa era a minha cabe\u00e7a naquela \u00e9poca. Nada exclusivo. Muita gente passa por fases e crises assim, e era o momento no qual eu me encontrava. Meus olhos vendo o rio passar, e eu em p\u00e9 ali na ponte com essas coisas no fundo dos meus pensamentos. Talvez n\u00e3o pensando especificamente naquele momento sobre isso, mas naquela \u00e9poca era o que embasava minhas crises existenciais.
E ent\u00e3o, assim como um filme na televis\u00e3o \u00e9 interrompido repentinamente por um corte de energia e a gente de repente olha para fora da janela e pro dia bonito l\u00e1 fora, voltando pra realidade no presente, eu voltei minha presen\u00e7a e aten\u00e7\u00e3o para a \u00e1gua do rio passando abaixo de mim. Sem perceber, naqueles minutos ali, enquanto devaneava na minha crise existencial, minha curiosidade pragm\u00e1tica me soltou uma pergunta, interrompendo todos aqueles pensamentos \u201cbarulhentos\u201d, como algu\u00e9m que cala uma pessoa falando um monte de baboseiras apresentando uma pergunta cuja resposta \u00e9 desafiadora por\u00e9m acess\u00edvel: \u201cPor onde passa a \u00e1gua desse rio no seu caminho pro mar?\u201d. Olhei com mais aten\u00e7\u00e3o para o Rio Atibaia: \u201cComo s\u00e3o as paisagens pelo caminho que ela faz? Onde estar\u00e1 daqui a uma semana? Daqui a um m\u00eas? Quanto tempo esse rio leva pra levar toda essa \u00e1gua at\u00e9 o seu destino final?\u201d.
Senti um eco daquele dia nos anos 80, quando t\u00e3o naturalmente eu quis desbravar o caminho que o riacho percorria at\u00e9 seu destino. E eu senti uma predisposi\u00e7\u00e3o natural para tentar descobrir por conta pr\u00f3pria a resposta. Foi uma sensa\u00e7\u00e3o de despertar, como quando as pupilas dilatam e o mundo fica mais claro, um pouco mais iluminado. Senti uma nova instiga\u00e7\u00e3o e o surgimento de uma possibilidade - Percorrer o caminho que as \u00e1guas da chuva fazem de Campinas at\u00e9 o mar. Me pareceu algo incomum, uma possibilidade de aventura muito atraente pra mim! Ir pelos rios at\u00e9 o oceano tinha grandes chances de ser muito diferente dos caminhos convencionais de terra ou asfalto por onde todo mundo passa. Ali na minha frente, rio abaixo, tinha uma estrada de \u00e1gua aberta, pronta e praticamente deserta, quase sem ningu\u00e9m nela. Uma oportunidade de um caminho relativamente acess\u00edvel, diferente e provavelmente interessante. Talvez algo pra nutrir um sentimento de conquista que eu estava querendo ou precisando. Um rumo. S\u00f3 que eu n\u00e3o ia andar. Iria remar. Remar at\u00e9 o mar!<\/p>\n

AMADURECENDO A IDEIA<\/b><\/h4>

Nos dias e semanas seguintes passei a desenvolver a ideia e a planejar \u2013 Comecei a pensar quais seriam os desafios a serem resolvidos antes e provavelmente durante a poss\u00edvel viagem. Logo de cara eu n\u00e3o sabia exatamente o que eu ia usar pra descer o rio. Claro que eu n\u00e3o iria andar a p\u00e9 pelas margens. O caminho seria percorrido pela \u00e1gua mesmo. Por saber que tinha algumas correntezas mais fortes no Rio Atibaia eu pensei que talvez pudesse ser um bote infl\u00e1vel, desses usados em rafting<\/em>. Mas o bote para as corredeiras funciona bem em \u00e1gua com correnteza forte. Para remar em \u00e1guas mais tranquilas ou represas \u00e9 p\u00e9ssimo; pesado e sem efici\u00eancia hidrodin\u00e2mica alguma. Pensei em caiaque. Era uma possibilidade tamb\u00e9m. Dei uma pesquisada na internet e acabei vendo tamb\u00e9m sobre canoas. Uma canoa pode levar mais carga do que um caiaque, apesar de n\u00e3o t\u00e3o veloz quanto. Mas se eu n\u00e3o tivesse pressa, tudo bem. Em paralelo eu dei uma olhada no mapa para ver o caminho que o Rio Atibaia fazia at\u00e9 o mar. Peguei um mapa impresso mesmo, j\u00e1 que naquela \u00e9poca n\u00e3o tinha a praticidade do Google Maps<\/em>. Meu dedo foi seguindo a linha azul no mapa... Rio Atibaia... Rio Piracicaba... Rio Tiet\u00ea... Rio Paran\u00e1... e o litoral ficando cada vez mais longe \u00e0 medida que meu dedo seguia sentido interior do estado. Da\u00ed o Rio Paran\u00e1 seguia sentido sudoeste, passando por dentro da Argentina e da\u00ed saindo no mar. O caminho tinha mais de tr\u00eas mil quil\u00f4metros! Definitivamente eu n\u00e3o iria querer arrastar um trambolho de um bote infl\u00e1vel por mais de tr\u00eas mil quil\u00f4metros. Com o tempo e pesquisas, cheguei \u00e0 conclus\u00e3o que uma canoa modelo canadense teria capacidade de carga e a hidrodin\u00e2mica adequada para uma expedi\u00e7\u00e3o desse porte. S\u00f3 que teria de ser uma canoa importada, pois aqui no Brasil os modelos mais modernos ainda eram feitos em fibra de vidro e o desenho do casco deixava um pouco a desejar em termos de desempenho. Nos Estados Unidos e Canad\u00e1 j\u00e1 tinham modelos feitos de fibra de carbono e com projeto espec\u00edfico para longas expedi\u00e7\u00f5es.
Na \u00e9poca que essa ideia surgiu eu era monitor do muro de escalada na Toca da Montanha, uma loja de equipamentos de aventura no Cambu\u00ed, bairro de Campinas. Al\u00e9m de loja e muro de escalada, l\u00e1 acabava sendo tamb\u00e9m um ponto de encontro com outras pessoas que tamb\u00e9m curtiam esportes e atividades de aventura na natureza. Comecei a compartilhar a ideia de descer os rios com alguns amigos e conhecidos, para ver se algu\u00e9m se animava a ir junto. At\u00e9 ent\u00e3o n\u00e3o tinha pensado se seria uma dupla, um grupo, ou solo. A ideia estava tomando forma ainda. Dois amigos que escalavam na \u00e9poca, o Thiaguinho e o Z\u00e3o, que remavam no Rio Atibaia atrav\u00e9s do Clube de Remo de Sousas gostaram da ideia, mas a motiva\u00e7\u00e3o deles talvez n\u00e3o tenha sido na mesma intensidade que a minha. Nem as prioridades. Para eles seria invi\u00e1vel.
Convidei amigos mais pr\u00f3ximos. Muitos riram da ideia e do convite, e de alguns eu escutava at\u00e9 um \u201cc\u00ea t\u00e1 loco\u201d. Alguns achavam legal e ficavam tentados, mas cada um por seu motivo n\u00e3o se animou de ir. Teve at\u00e9 o caso de um amigo que convidei na \u00e9poca, e que anos mais tarde ele admitiu pra mim que apesar de ter ficado com muita vontade, ele n\u00e3o foi por medo. Ele admitiu que n\u00e3o tinha coragem de sair remando no desconhecido e acampando no meio do nada.
Um dos amigos que eu teria convidado teria sido o Carlos Andr\u00e9, amigo de inf\u00e2ncia que fez parte dos meus pensamentos quando fui fazer a caminhada sozinho, com 12 anos de idade, para descobrir o caminho que o riacho fazia
(leia aqui em \"De onde surgiu a ideia da expedi\u00e7\u00e3o\")<\/a>. O Carlos tinha se tornado parceiro de v\u00e1rias aventuras, de escaladas e viagens de bicicleta. S\u00f3 que ele, um dos meus melhores amigos, faleceu num acidente de carro no ano anterior. A morte de um amigo t\u00e3o pr\u00f3ximo, no auge de nossa juventude, contribuiu tamb\u00e9m para me fazer pensar que de fato a gente n\u00e3o dura pra sempre, que nossa vida \u00e9 vulner\u00e1vel e fr\u00e1gil, e que devemos fazer o melhor de nosso tempo aqui nesse planeta. E que descer um rio a remo n\u00e3o \u00e9 uma ideia insana, mas uma aventura a ser vivida como parte de valorizar a liberdade na minha vida.
Enfim, cada convite recusado teve seu motivo, seu racional, seu processo de pondera\u00e7\u00e3o. Cheguei a pensar, e n\u00e3o via problemas nisso, em fazer a viagem sozinho mesmo. Passou alguns meses, e nisso eu j\u00e1 tinha o projeto bem detalhado e escrito. E sem urg\u00eancia em definir se seria uma viagem solo ou n\u00e3o, eu mantive a possibilidade de mais gente se juntar a mim. Seria mais divertido talvez, e mais seguro com certeza, ter algu\u00e9m para compartilhar o dia a dia da viagem de canoa.<\/p>

Nesse per\u00edodo eu tamb\u00e9m percebi que ia precisar de alguma forma de patroc\u00ednio, pois teria que comprar equipamentos espec\u00edficos. S\u00f3 a importa\u00e7\u00e3o de uma canoa j\u00e1 seria um custo consider\u00e1vel. E tinha tamb\u00e9m os custos de pelo menos 3 meses de alimenta\u00e7\u00e3o e alguns outros custos log\u00edsticos. J\u00e1 que era um projeto inusitado, eu considerava que havia uma boa chance de ser atraente para alguma empresa ou marca que quisesse associar o nome a um desafio e feito diferente. Ent\u00e3o comecei a escrever o projeto batizado temporariamente de \"Projeto Descendo os Rios\u201d. Montei ele num formato de proposta de patroc\u00ednio. Com o passar do tempo eu pensei e acabei pensando em um nome mais sonoro, mais po\u00e9tico. Ent\u00e3o defini que se chamaria \"Projeto Remar at\u00e9 o Mar\", que virou \"Expedi\u00e7\u00e3o Remar at\u00e9 o Mar\".
Nessa fase eu comentei com o amigo Carlos Vageler, que tamb\u00e9m frequentava a Toca da Montanha, sobre meus planos. Eu conheci o Carlos atrav\u00e9s do amigo Douglas Fernandes, da academia Along Center, onde anos antes eu tinha feito um curso de escalada. Foi o Carlos que tinha dado o curso. O Carlos ficou intrigado com a ideia de descer os rios de Canoa saindo de Campinas, e dias depois me disse que animava participar e aceitou meu convite. E ent\u00e3o juntos come\u00e7amos a correr atr\u00e1s de patroc\u00ednio e planejar mais a fundo a expedi\u00e7\u00e3o.<\/p>\n

BUSCA DE PATROC\u00cdNIO \u2013 O MAIS DESGASTANTE DE TODO O PROJETO<\/b><\/h4>

Come\u00e7amos a entrar em contato com v\u00e1rias empresas, tanto as pequenas aqui da regi\u00e3o quanto as multinacionais com marcas j\u00e1 estabelecidas. Fomos tentando marcar alguma reuni\u00e3o para apresentar o projeto. Vimos a possibilidade de abordar uma tem\u00e1tica ambiental durante a expedi\u00e7\u00e3o. De relatar e documentar durante a viagem o nosso testemunho sobre as condi\u00e7\u00f5es dos rios e represas por onde passamos. Naquela fase fizemos contato com pessoas nos meios de comunica\u00e7\u00e3o como o jornalista Jos\u00e9 Pedro Martins do Correio Popular de Campinas, e a Liana John da Ag\u00eancia Estado e R\u00e1dio Eldorado, que ajudaram a divulgar nosso projeto. O Roberto Fernandes do portal de aventuras na internet, o 360 Graus, que na \u00e9poca produzia o site do Amyr Klink, tamb\u00e9m aderiu ao nosso projeto. O site da nossa expedi\u00e7\u00e3o seria o primeiro no Brasil a ser atualizado durante a viagem. O Evaristo Miranda da Embrapa tamb\u00e9m simpatizou com nosso projeto e disponibilizou imagens de sat\u00e9lite de alguns trechos do percurso para colocarmos no site durante a viagem. Enfim, v\u00e1rias institui\u00e7\u00f5es e meios de comunica\u00e7\u00e3o demonstraram interesse em apoiar e divulgar a nossa viagem. T\u00ednhamos v\u00e1rios apoios ou inten\u00e7\u00f5es de apoio depois de v\u00e1rios meses batalhando para dar forma ao projeto. Mas faltava algu\u00e9m patrocinar com dinheiro, para comprarmos os equipamentos necess\u00e1rios, como a canoa por exemplo, e cobrir os custos operacionais, como alimenta\u00e7\u00e3o.
Foram muitos faxes e cartas e envelopes com projetos encadernados enviados para Ita\u00fa, Santander, Toyota, Coca Cola, Nestl\u00e9, Yoki, Merck Sharp, Ripasa, Arisco, Parmalat, Gessy Lever, Cica, Rhodia, IBM, Toddy, Nescau, Gatorade, Ford, GM, Natura, Bradesco, etc. etc. E muitos faxes polidos e educados apreciando a grandiosidade do projeto, desejando sucesso por\u00e9m sem possibilidade ou interesse em participar. Foi um processo de mais de ano tentando manter a esperan\u00e7a acesa.<\/p>

O PRIMEIRO PATROC\u00cdNIO<\/b><\/h4>

Nesse per\u00edodo de desenvolvimento do projeto eu conheci e comecei a namorar a Janaina. Nessa \u00e9poca ela come\u00e7ou a trabalhar na Bosch em Campinas. Um dia eu tinha escrito e diagramado a proposta de patroc\u00ednio para um formato de uma p\u00e1gina de fax, e liguei pra Janaina pedindo pra ela dar uma revisada pra mim. Ela me passou o n\u00famero do fax do trabalho e eu enviei pra ela. Passou meia hora e ela ligou perguntando se eu j\u00e1 tinha mandado. \u201cU\u00e9, sim, voc\u00ea n\u00e3o recebeu?\u201d - \u201cN\u00e3o. Manda de novo\u201d - \u201cOk.\u201d - Reenviei - \u201cOk, agora recebi\u201d. E ficou por isso mesmo. Ela corrigiu uma ou outra palavra errada que eu deixei escapar e eu arrumei o texto, para mandar para alguma empresas na minha lista.
Umas duas semanas depois eu recebi uma liga\u00e7\u00e3o: \u201cBom dia Alessandro, tudo bem? Meu nome \u00e9 Creuza e eu sou do marketing da divis\u00e3o de ferramentas el\u00e9tricas da Bosch e estou aqui com um fax que voc\u00ea nos enviou pedindo patroc\u00ednio. Muito interessante esse teu projeto! Sorte sua que a nossa estagi\u00e1ria estava em outro departamento quando viu esse fax chegando por l\u00e1. Como ela viu que o fax chegou no departamento errado ela o trouxe pra c\u00e1. A gente avaliou o teu projeto e gostar\u00edamos de ajudar. Queremos participar com a cota de dois mil reais e disponibilizar algumas ferramentas el\u00e9tricas pra voc\u00eas. O que voc\u00ea acha?\u201d. Logo depois eu liguei pra Janaina e contei porque ela n\u00e3o tinha recebido o primeiro fax!
E foi assim que come\u00e7ou a mudar nossa sorte. Depois de muitos meses, finalmente o primeiro patroc\u00ednio. Em seguida, a Funda\u00e7\u00e3o Educar DPaschoal tamb\u00e9m entrou no projeto com uma quantia em dinheiro. E na sequ\u00eancia outras empresas. O Ademar, que era trainee na Funda\u00e7\u00e3o Educar DPaschoal, estava envolvido com uma empresa em forma\u00e7\u00e3o na \u00e9poca, de rastreamento veicular, a OrbSystem, e eles tamb\u00e9m se interessaram em participar com alguns equipamentos eletr\u00f4nicos. Eles nos deram o notebook que a gente viria a usar para escrever os di\u00e1rios da viagem e armazenar fotos digitais da m\u00e1quina digital que a Kodak viria a fornecer. O Edward Bilton, diretor da Cia Athletica do Galleria Shopping em Campinas, nos apoiou com livre acesso \u00e0 academia at\u00e9 o in\u00edcio da expedi\u00e7\u00e3o pra gente se preparar para os v\u00e1rios meses de remada que estavam por vir, mais cedo ou mais tarde. Nos Estados Unidos o Michael Ketchel da Mad River Canoe gostou muito do projeto, pois seria uma longa expedi\u00e7\u00e3o usando uma de suas canoas, e conseguiu fornecer a canoa e acess\u00f3rios a pre\u00e7o de custo (Infelizmente quando a expedi\u00e7\u00e3o come\u00e7ou o Michael da Mad River tinha sa\u00eddo do seu cargo, e o marketing da Mad River Canoes n\u00e3o deu continuidade em seu contato com a gente acabou n\u00e3o acompanhando o andar da nossa expedi\u00e7\u00e3o por aqui). Atrav\u00e9s do apoio da ABSA e da South Florida Air, conseguimos trazer a canoa de avi\u00e3o. Boa parte de nossos equipamentos da expedi\u00e7\u00e3o, de fogareiros a barracas, panelas, sacos de dormir, lanternas e isolantes t\u00e9rmicos n\u00f3s compramos na Serelepe em S\u00e3o Paulo; O Francisco Chorroarin, dono da loja, Argentino, tamb\u00e9m simpatizou com nossa proposta de descer at\u00e9 Buenos Aires remando uma canoa e nos deu um generoso desconto na aquisi\u00e7\u00e3o dos equipamentos. A Kodak, atrav\u00e9s da aten\u00e7\u00e3o do Richard Ford, nos forneceu uma m\u00e1quina digital e v\u00e1rios rolos de filme negativo e positivo, o que foi uma contribui\u00e7\u00e3o fundamental para podermos gerar todas as imagens que ir\u00edamos registrar durante a viagem. Inclusive a m\u00e1quina digital na \u00e9poca era uma novidade, e ia possibilitar alimentar o site com fotos sem precisar passar pelo processo de escaneamento.
Nesse per\u00edodo a gente foi muito a S\u00e3o Paulo para apresentar o projeto e discutir as possibilidades com poss\u00edveis patrocinadores. A diretoria da CESP por exemplo, que administra todas as barragens pelas quais ir\u00edamos passar ao longo do Rio Tiet\u00ea, se interessou. Em janeiro de 1999, cinco meses antes do m\u00eas estabelecido para nosso in\u00edcio, o diretor do departamento de comunica\u00e7\u00e3o da CESP nos disse em reuni\u00e3o, pessoalmente, que o projeto era excelente, que poderia ser utilizado pelo departamento de comunica\u00e7\u00e3o da CESP e que eles iam participar com uma cota, integral ou parcial, para nossa expedi\u00e7\u00e3o. Ficamos muito animados, pois o que entraria de dinheiro ajudaria a cobrir os custos m\u00ednimos que a gente tinha estipulado para fazer a expedi\u00e7\u00e3o acontecer. Com mais de um ano buscando patroc\u00ednio, sem conseguir cobrir uma cota master, a gente foi enxugando o projeto: Por exemplo, eu havia desenvolvido o Projeto Remar Kids, atrav\u00e9s do qual a gente ia manter contato com escolas participantes antes, durante e depois da expedi\u00e7\u00e3o de canoa pelos rios, repassando para a crian\u00e7as muito do conte\u00fado educacional da expedi\u00e7\u00e3o. Mas por motivos de valores n\u00e3o alcan\u00e7ados, mal est\u00e1vamos conseguindo um m\u00ednimo para equipamentos e alimenta\u00e7\u00e3o, n\u00f3s engavetamos o Remar Kids. A informa\u00e7\u00e3o de que a CESP iria participar com uma quantia em dinheiro era \u00f3tima! Quem sabe o Remar Kids pudesse ser colocado em pr\u00e1tica? Por\u00e9m, depois daquela reuni\u00e3o, os dias passaram e n\u00e3o fizeram contato. Passaram algumas semanas. Passou mais de m\u00eas e est\u00e1vamos tentando um follow up<\/em>. Nada. S\u00f3 depois de uns tr\u00eas meses insistindo \u00e9 que nos retornaram confirmando o que j\u00e1 est\u00e1vamos prevendo: A CESP voltou atr\u00e1s e n\u00e3o participaria mais. Houve naquele per\u00edodo uma reestrutura\u00e7\u00e3o interna de pessoal e nosso projeto foi esquecido. A essa altura j\u00e1 est\u00e1vamos calejados pelas negativas. Ficamos tristes, por\u00e9m continuamos determinados a colocar a canoa na \u00e1gua pra fazer a viagem naquele ano mesmo.<\/p>\n

O PROJETO SE CONSOLIDOU<\/b><\/h4> [caption id=\"attachment_1146\" align=\"alignleft\" width=\"277\"]\"\"<\/a> Atrav\u00e9s dessa mat\u00e9ria de jornal, meus pais ficaram sabendo dos meus planos.[\/caption]

Em casa ningu\u00e9m estava sabendo dos meus planos. Tinha sido tudo em sigilo at\u00e9 ent\u00e3o. Porque eu sei que meus pais, principalmente meu pai, iria falar que era loucura, que era irresponsabilidade, que era falta do que fazer e por a\u00ed vai. Eu n\u00e3o queria o fardo emocional do balde e \u00e1gua fria vindo dos meus pais. Ent\u00e3o nunca contei pra eles, at\u00e9 chegar o momento que era inevit\u00e1vel eles saberem. E isso aconteceu em mar\u00e7o de 98, na forma de uma mat\u00e9ria de meia p\u00e1gina no jornal Folha de S\u00e3o Paulo, numa edi\u00e7\u00e3o de domingo. O jornalista Maur\u00edcio Simionato publicou no Jornal Folha Campinas uma mat\u00e9ria com a chamada \u201cDupla quer remar at\u00e9 a Argentina\u201d e logo abaixo uma foto onde eu e o Carlos est\u00e1vamos dentro de uma canoa. Esse jornal chegou em casa e eu fiquei de olho sabendo que meu pai ia chegar naquela not\u00edcia, e fiquei observando ele, sentado na varanda lendo o jornal. E ent\u00e3o eu vi meu pai abrindo o jornal naquela p\u00e1gina e lendo a mat\u00e9ria. E eu vi a cara dele expressando uma certa confus\u00e3o, uma cara de \"U\u00e9??\", sem assimilar ou entender direito o que ele tinha lido. Ali\u00e1s, ele entendeu. A dificuldade parece ter sido associar o filho dele com a pessoa que estava sendo mencionada na mat\u00e9ria, que ia fazer a tal viagem de canoa at\u00e9 Buenos Aires. A minha m\u00e3e estava l\u00e1 e meu pai mostrou a mat\u00e9ria pra ela, e eles se viraram para mim. Expliquei ent\u00e3o o projeto para eles. Contei sobre as pessoas e empresas que j\u00e1 estavam envolvidas, a dura\u00e7\u00e3o, e por a\u00ed vai. At\u00e9 hoje n\u00e3o sei dizer o que realmente pensaram de positivo ou de negativo, sobre a ideia e sobre o filho deles. Mas tenho a impress\u00e3o de que por um lado eles se sentiram entretidos e sem palavras sobre a novidade. Acho que a palavra \u201cestupefato\u201d me vem \u00e0 mente agora, lembrando da express\u00e3o do meu pai na ocasi\u00e3o.<\/p>

O tempo passou, e mais uma vez cito o s\u00e1bio prov\u00e9rbio chin\u00eas: \u201cA n\u00e3o ser que a gente mude de dire\u00e7\u00e3o, a tend\u00eancia \u00e9 chegar onde estamos indo.\u201d J\u00e1 havia passado pouco mais de um ano desde aquele dia na ponte em Sousas. Muitos contatos haviam sido feitos, equipamentos providenciados, gente envolvida e n\u00e3o tinha mais volta. No in\u00edcio do ano de 1999 n\u00f3s marcamos a data de partida para Junho do mesmo ano.<\/p>\n

ARRANJOS FINAIS\u00a0<\/b><\/h4>

A canoa veio dos Estados Unidos. Depois das negocia\u00e7\u00f5es com a Mad River Canoe e procedimentos de sele\u00e7\u00e3o e compra dela e dos acess\u00f3rios, e do transporte a\u00e9reo providenciado pela ABSA e South Florida Air, ela veio do estado de Vermont no nordeste dos Estados Unidos at\u00e9 o aeroporto de Viracopos em Campinas, passando pela Fl\u00f3rida. Aterrissou no Brasil no dia 31 de mar\u00e7o de 1999. Pelo tamanho dela, quase 6 metros de comprimento, o transporte a\u00e9reo teria custado uma fortuna, o equivalente ao transporte de 6 toneladas, ou 6 metros c\u00fabicos, que foi o seu volume. Felizmente o pessoal da ABSA foi generoso e fez esse transporte pra gente. E felizmente ela pesa apenas 28 kg.<\/p> [caption id=\"attachment_1163\" align=\"alignleft\" width=\"300\"]\"\"<\/a> Canoa e remos rec\u00e9m chegados dos Estados Unidos.[\/caption]

Ap\u00f3s o processo de libera\u00e7\u00e3o da importa\u00e7\u00e3o n\u00f3s fomos buscar a canoa em 15 de Abril, faltando exatos cinquenta dias para o in\u00edcio de nossa viagem. A canoa estava embrulhada em pl\u00e1stico bolha azul. E quando cheguei nela, ainda no galp\u00e3o de mercadorias importadas, eu tirei o pl\u00e1stico da proa (frente da canoa) pra tocar nela. E quando fiz isso meu cora\u00e7\u00e3o quase parou e pensei \u201cFUDEU!\u201d. Eu senti ela muito fr\u00e1gil! A parte do caso que toquei parecia um papel\u00e3o endurecido \u2013 Aquela parte da proa, o material, era fino demais!!! Eu olhei para aquilo e pensei que foi um erro, que essa canoa era algo que n\u00e3o ia aguentar uma viagem daquela dimens\u00e3o. Pensei que me mandaram a canoa errada. N\u00e3o podia ser! Tive a p\u00e9ssima impress\u00e3o de arrependimento, de que sem saber eu comprei um equipamento muito fr\u00e1gil, inadequado. E n\u00e3o tinha o que fazer. Depois de todo aquele trabalho a canoa j\u00e1 estava aqui. Mas me deixa dizer logo: Foi um erro meu! Ignor\u00e2ncia minha! Era uma canoa de Kevlar, uma fibra de carbono desenvolvida pela DuPont. E eu n\u00e3o tinha nenhuma familiaridade com aquele tipo de material e errei feio naquele primeiro julgamento. Felizmente! A canoa com seus 5.6 metros pesava apenas 28 kg! E o Kevlar \u00e9 o mesmo material usado em coletes a prova de balas, na constru\u00e7\u00e3o de sat\u00e9lites, equipamentos ol\u00edmpicos de ponta e tantas outras coisas fabricadas com tecnologia avan\u00e7ada. Levamos a canoa para minha casa, e l\u00e1 deu pra ver o quanto ela era refor\u00e7ada em v\u00e1rios pontos; a rigidez e espessura do seu fundo. O refor\u00e7o na base das laterais. E a\u00ed que eu vi que aquele ponto onde coloquei a m\u00e3o, meu primeiro contato, era realmente a parte com menor espessura, pois era o ponto da canoa que recebe menos estresse mec\u00e2nico quando est\u00e1 em uso. Ela na verdade era perfeita! Linda, leve e robusta!! Essa canoa seria o nosso transporte, na qual ir\u00edamos confiar nossas vidas por mais de 3 meses, em situa\u00e7\u00f5es das mais adversas de \u00e1gua e clima. Eu batizei a canoa com o nome da minha querida av\u00f3 materna escocesa: Ethel.
O Roberto Fernandes, da 360 Graus, que ia cuidar e alimentar o site durante nossa viagem tinha o contato com o Amyr Klink, pois tamb\u00e9m cuidava do site dele. Atrav\u00e9s do Roberto o Amyr Klink doou para o nosso projeto uma grande quantidade de comida liofilizada que a Nutrilatina havia produzido e patrocinado para a sua viagem de veleiro ao redor do mundo na regi\u00e3o da Ant\u00e1rtida, e que havia sobrado. Isso foi muito bem vindo, pois ter\u00edamos como levar comida leve e sem necessidade de refrigera\u00e7\u00e3o, sem contar a grande economia que far\u00edamos no gasto com comida ao longo do caminho. Recebemos tamb\u00e9m v\u00e1rias caixas de barrinhas de cereais Nutry. Aos poucos, e cada vez mais pr\u00f3ximo da data de partida, o essencial estava gradualmente sendo resolvido. Gra\u00e7as ao nosso esfor\u00e7o, incluindo a grande ajuda e dedica\u00e7\u00e3o da noiva do Carlos, a Alessandra Bonaf\u00e9, que agilizou e correu atr\u00e1s de tantos contatos, parcerias e imprensa.<\/p>

A canoa e os remos, nossos principais coadjuvantes, j\u00e1 estavam com a gente. Determinamos ent\u00e3o finalmente a data de in\u00edcio: Seria no s\u00e1bado dia 5 de junho, dia Mundial do Meio Ambiente. Fiz contato com o subprefeito de Sousas e reservei a Pra\u00e7a Beira Rio para a manh\u00e3 de nossa partida. A imprensa foi avisada e convidamos nossos amigos, conhecidos e parceiros do projeto para acompanharem a nossa partida. E tamb\u00e9m come\u00e7amos a divulgar o site para quem quisesse acompanhar a expedi\u00e7\u00e3o ao longo dos meses. (Na \u00e9poca era www.remar.com.br, e atualmente \u00e9 www.remarateomar.com)<\/p>\n

ENTRE A F\u00c9 E A LOUCURA<\/b><\/h4>

Um ano e meio de preparativos. Desde o dia que resolvi que ia descer remando at\u00e9 Buenos Aires, esse projeto passou a ser um foco de aten\u00e7\u00e3o constante pra mim. Eu sei que muitos amigos acharam que eu tinha enlouquecido por causa dessa ideia. Enlouquecido no sentido de ter perdido no\u00e7\u00e3o da realidade, de ter perdido no\u00e7\u00e3o do que \u00e9 vi\u00e1vel, do que \u00e9 poss\u00edvel. Enlouquecido no sentido de me tornar insensato. Mas tudo bem. A gente prova o poss\u00edvel atrav\u00e9s do exemplo. Essas coisas apenas n\u00e3o fazem parte da rotina da maioria das pessoas. Eu aprendi faz tempo a jamais dar ouvidos para quem nunca ousou abrir as pr\u00f3prias asas ao vento. At\u00e9 acontecer e definir a data de partida, realmente parecia a busca por um sonho insano aos olhos dos outros. Uma busca insensata por uma utopia. Projeto remar at\u00e9 o mar... Projeto remar at\u00e9 o mar. Esse foi meu assunto predominante por um ano e meio. Quantas vezes essa fala saiu da minha boca, com amigos e com a namorada: Projeto Remar At\u00e9 o Mar.
O namoro com a Janaina j\u00e1 tinha terminado em novembro de 1998. Naturalmente cada um seguiu consciente o seu caminho. Ficou o respeito, admira\u00e7\u00e3o e o carinho. Naquele per\u00edodo de um ano que namoramos a Janaina escutava sempre \u201c...projeto remar at\u00e9 o mar\u201d. At\u00e9 eu n\u00e3o aguentava mais, imagina ela. N\u00e3o foi f\u00e1cil pra quem estava comigo. Amigos me julgavam meio perdido. Acreditar em si pr\u00f3prio quando se tem uma vis\u00e3o que os outros n\u00e3o compartilham j\u00e1 \u00e9 dif\u00edcil. Imagina para os outros acreditarem em voc\u00ea. Mas deu certo. Ter tido f\u00e9, esperan\u00e7a e paci\u00eancia valeu a pena. Duas semanas antes de come\u00e7ar a viagem eu liguei pra Janaina, que j\u00e1 estava noiva e com casamento marcado, pra dizer que o Projeto Remar At\u00e9 o Mar ia deixar de ser apenas projeto. Agora era Expedi\u00e7\u00e3o Remar At\u00e9 o Mar, com data de partida marcada para o dia 5 de junho. Ela veio em casa pra gente se despedir, e eu pude mostrar o quanto tudo estava se concretizando \u2013 A canoa que seria utilizada estava l\u00e1, e tamb\u00e9m os equipamentos obtidos gra\u00e7as \u00e0s empresas que estavam acreditando no projeto. Falei sobre o tanto de gente envolvida e a propor\u00e7\u00e3o que o meu projeto havia tomado. Eu sentia que devia isso a ela. Algo em mim quis dizer pra ela que ela n\u00e3o tinha perdido tempo com um mero sonhador. Mas que eu precisei de tempo para fazer o meu sonho acontecer. E tive que fazer sacrif\u00edcios. E foi uma paz pra mim poder fazer isso, mostrar pra ela que finalmente tinha dado certo. E ela tamb\u00e9m tinha boas not\u00edcias de seus sonhos se concretizando: Assim como eu come\u00e7aria a expedi\u00e7\u00e3o no s\u00e1bado dia 5 de Junho, ela iria se casar no s\u00e1bado seguinte, dia 12 de Junho, e iria se mudar com o marido para os Estados Unidos. Sou grato acima de tudo pela amizade e respeito m\u00fatuo que tivemos o privil\u00e9gio de exercer. E sinto que teve algo de grandioso e verdadeiro em cada um saber seguir o seu caminho, e ter aproveitado para crescer um com o outro enquanto est\u00e1vamos juntos.<\/p>\n

N\u00c3O FALTAVA MAIS NADA<\/b><\/h4> [caption id=\"attachment_1164\" align=\"alignleft\" width=\"300\"]\"\" Primeiras impress\u00f5es da canoa: Na piscina.[\/caption]

Nas semanas e dias antes da data de partida da viagem eu e o Carlos testamos os equipamentos e a canoa carregada dentro da piscina. Testamos a impermeabilidade das barricas e bolsas estanques. Idealmente tudo na canoa deve ficar acomodado e preso de maneira que se ela virar em qualquer momento nossa \u00fanica preocupa\u00e7\u00e3o ser\u00e1 desvirar a canoa, nadar at\u00e9 alguma margem puxando ou empurrando ela e depois tirar a \u00e1gua. E continuar remando. Mesmo tombada a canoa cheia de \u00e1gua n\u00e3o afunda, pois tem ar aprisionado nas bagagens o suficiente para garantir que o conjunto todo continue boiando como uma pe\u00e7a s\u00f3. A \u00faltima coisa que eu iria querer fazer \u00e9 sair catando um monte de equipamento molhado boiando no meio de um rio ou represa. <\/p>

\"\"Ent\u00e3o tudo foi projetado para ficar preso na canoa e seco caso ela virasse. Por isso v\u00e1rios testes e estudos de arranjos e amarra\u00e7\u00e3o dos equipamentos. Tentamos pensar em tudo que poderia dar errado e como evitar e como remediar. O que fazer em caso de chuva, pra n\u00e3o encher a canoa de \u00e1gua. Em caso de ondas. Tentamos antecipar v\u00e1rios cen\u00e1rios, e o que poder\u00edamos fazer para resolver o problema de cada um. Que equipamento ou acess\u00f3rio ou procedimento seria colocado em pr\u00e1tica. Foi um exerc\u00edcio e planejamento para dar a menor chance de acontecer falhas que poderiam comprometer a expedi\u00e7\u00e3o.<\/p>

A natureza das \u00e1guas que formam um rio \u00e9 escorrer pelo relevo na passagem de menor resist\u00eancia, rumo abaixo, \u00e0s vezes preenchendo lagos ou represas, mas sempre com a tend\u00eancia de continuar escorrendo e chegar at\u00e9 algum mar ou oceano. Como diz ent\u00e3o o s\u00e1bio ditado chin\u00eas: \u201cA n\u00e3o ser que a gente mude de dire\u00e7\u00e3o, a tend\u00eancia \u00e9 a gente chegar aonde estamos indo\u201d.<\/p>

Canoa e remos, check. Remos reserva, check. Um rio longo e vasto como uma extensa estrada aberta e desimpedida, check. Sa\u00fade. Disposi\u00e7\u00e3o. Comida para meses. Apoios estabelecidos. Local, data e hor\u00e1rio de partida estabelecidos, check, check, check, check, check, check... Liberdade para partir? Tempo para se viver? N\u00e3o faltava mais nada. O mais complicado passou. N\u00f3s fizemos, e nos tornamos prontos para come\u00e7ar a remar at\u00e9 o mar.
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