Dia 095 – Baradero > Zarate
Percurso: Rio Paraná
Início: Baradero – Rancho do Alberto, km 155.5, 33° 50.036’S 59° 23.840’W
Final: Zarate, Club Náutico – km 108, 34° 5.489’S 59° 0.886’W
Percorrido hoje: 50.5 km
Total Acumulado: 2989.7 km
Avô de Alma e Afinidade
Alessandro – Saímos de manhã após uma triste despedida, pois o pessoal era muito gente boa. Percebi que durante a despedida o Hector estava mais afastado e cabisbaixo, e perguntei pro Alberto se estava tudo bem com ele. O Alberto me disse que estava tudo bem sim, mas que o Hector estava triste que a gente estava indo embora.
Eu chamei o Hector pra dar um abraço de despedida e ele se aproximou visivelmente emocionado. O Hector, 72 anos, me deu um abraço e com olhos marejados segurando as lágrimas, me olhou nos olhos segurando minhas mãos e me disse que naquele momento ele era um avô meu que se despedia e que me desejava todo o sucesso do mundo nessa viagem, me incentivando a continuar vivendo alimentando o espírito de aventura, pois ele o fizera até hoje, e é hoje um “jovem velho” feliz e realizado, cheio de vida, em paz com seus amigos e seu mundo. Eu enchi meus olhos de lágrimas e meu coração de felicidade, emocionado e confortado com um abraço caloroso.
Às vezes encontramos os melhores amigos em breves momentos, onde não importa a idade, o que realmente importa é apenas a afinidade de espíritos e as palavras que alimentam intensamente a alma um do outro. Isso sim é muito mais “família” do que uma similaridade genética.
(Atualização em 2024: Em contrapartida ao relatado acima, só pra ter uma comparação irônica em relação ao assunto família, eu passei por uma situação até engraçada anos depois: o meu avô siciliano, de quase 90 anos de idade, pai do meu pai veio visitar a família em nossa casa em Campinas. Esse meu avô tinha chegado de viagem naquele dia, e ele estava caminhando comigo pela casa quando passamos pela canoa dessa expedição, então guardada pendurada no teto da garagem. Eu apontei pra canoa e todo orgulhoso falei com meu avô: “Nonno, sabe o que eu fiz com essa canoa?” – Ele olhou pra canoa e sem muita curiosidade gesticulou com uma erguida de queixo – “Diga”. E então eu contei que eu passei três meses remando ela por mais de três mil quilômetros seguindo os rios até chegar no mar. Ele imediatamente sem alterar a expressão me perguntou “E pra que você fez isso?”, com uma erguida de ombros como se eu tivesse acabo de dizer que eu fiz uma idiotice sem sentido. Não se impressionou, e pelo contrário, não viu graça nenhuma nisso. Eu não me surpreendi com a reação dele, pra falar a verdade, apesar de que admito que eu contei pra ele com um pouco de expectativa do meu próprio avô expressar algum tipo de admiração pelo feito. Mas compreendendo que ele era do tipo orgulhoso demais para ceder algum elogio sincero a qualquer pessoa. E foi então que lembrei da reação do Hector, que teve um gesto e um comportamento muito mais nobre ao meu ver do que meu próprio avô genético.)
Seguindo viagem, o Rio Baradero voltou a encontrar o Rio Paraná de las Palmas. Através do rio Baradero conseguimos evitar muitas curvas e águas largas do Paraná. Por volta do meio-dia passamos pela construção de uma futura usina nuclear que está sendo construída nas margens do rio.
Levei outro susto hoje: estávamos remando tranqüilos quando nos aproximamos de um peixe boiando, do tamanho de mais ou menos 4 quilos. Tem sido comum nessa viagem encontrarmos peixes e outros animais mortos boiando pelo caminho. Mais do que naturalmente fiquei curioso para identificar o tipo de peixe que era. Já de longe pude ver um grande corte na sua lateral, e este boiando de lado. Quando estávamos a um metro de distância, e meu olhar fixo nele, tentando identificá-lo, o desgraçado chicoteia o rabo e some para debaixo d’água! Foi um reflexo de auto defesa. Eu dei um pulo de susto e caí na gargalhada! Eu tinha assumido que o peixe estava morto e de repente foi a volta do morto-vivo!! O corte grande em sua lateral foi provavelmente provocado pela hélice de alguma lancha. Logo ele estará morto mesmo.
De tarde já estávamos nos aproximando de Zarate, quando quase fomos atropelados por um grupo de garotas que estavam treinando remo. Elas vinham em alta velocidade remando de costas e precisamos assobiar para que nos vissem e para que saíssemos um do caminho do outro.
Paramos no Clube Náutico de Zarate e conhecemos o Abel e o Guillermo, treinadores dos remadores e remadoras, quem agilizou para nós a nossa estadia por lá naquela noite. Logo as garotas do remo estavam de volta e pudemos todos trocar informações sobre os esportes e as atividades praticadas. No clube havia atletas de nível olímpico, e de lá foram seis competir em Atlanta, na mais recente olimpíada. A noite fomos em uma pizzaria confraternizar. Um forte abraço e um grande obrigado aos amigos do Clube Náutico de Zarate!